quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

PEQUENOS PISCOS POISADOS

Tudo a casa Regressa....

Por Eumesma

O ÓDIO E A MALDADE TÊM...

O ódio e a maldade têm cheiro.
É a decomposição dos odores da raiva e da vingança.
São vapores que perseguem uma vítima para lhe macularem a salubridade da sua essência.
Por Eumesma

FRAGILIDADE APARENTE


“- Não gosto que exponhas as tuas fragilidades!”disse-me um amigo.

Deixa que te relembre que somos fragilidade. “Lembra-te ó Homem que és pó e ao pó hás-de voltar”. Não é apenas uma frase retirada de um texto religioso, mas uma grande verdade a todos os níveis. É uma verdade Biológica. É uma verdade Temporal. É uma verdade Humana. Pouco mais temos em força do que uma vulgar colmeia. Somos grandes em estatura, mas frágeis em organização. Temos betão e dinheiro mas a Natureza é ainda detentora da força de destruição e da fome, se assim o entender.

Um ser no meio de uma comunidade pode aparentar ser forte, mas só, pouco pode. A fragilidade manifesta-se. A fragilidade existe. É no não a ignorar, que está o segredo para a combater, resistir, ultrapassar e sobreviver.

- Não demonstro as minhas fragilidades. Exponho o que sou. Não sou fraca, nem quero ser forte. Ajudo e quero ser protegida. Amparo e aguardo carinho.

Se julgas que por falar de medos, receios, angustias, estou a extirpar o meu ser. Se receias pelo mal que me podem infligir, pela queda que me podem provocar! Não temas. Admito fraquezas, mas reconheço a força.

A força do carvalho, que parte mas não verga. As lágrimas que podem ser apenas orvalho. As tremuras que os frios provocam. A dureza que as escarpas reproduzem. A protecção espinhosa do tojo. O sangue que flúi quente como o de um lagarto ao sol sobre as rochas. A coragem dos lobos e a liberdade das águias. Assim também posso ser eu. Minha mãe Natureza me dá Vida. É a minha Força.


Por Eumesma, dedicado a R. Alves

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

NATAL DOS PORCOS


Podia estar para aqui a desenvolver um grande texto de cariz social e ético, sobre o que é actualmente a importância e/ou a imagem do Natal presente. Porém, podia sensibilizar e destruir a falsa imagem que alguns ainda querem manter. Quem sabe, dessa forma, não continuem a chafurdar nos ganhos económicos e materialistas que dai advem. Mas, nem todos estão cegos para a realidade. Cada vez mais o espírito de Natal está morto. Cresce e resiste cada vez mais o momento do luxo, da soberba, da gula...a transfiguração do Humano em Suíno. Um verdadeiro Natal de Porcos...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

ANTES DE ADORMECER


Sinto uma confusão tão profunda dentro da minha cabeça que imobiliza todo o meu corpo. Nesta paralisia, imputada pelo vórtice dos meus pensamentos, os minutos vão passando. A noite que parece longa e interminável vai cavalgando. O tempo, saltando hora após hora. Um novo dia vai chegar. Tento eu pensar porque estou parada. Se tenho os meus pensamentos no passado, se vegeto no presente, se tento vislumbrar o futuro. Sou um mísero ser humano. Nada mais para além de qualquer outro que respira oxigénio. Por vezes, a nossa unicidade é tão orgulhosa que nos chama à atenção para a nossa aparente perfeição. Somos quase de certeza o único ser que se interroga e isso nos eleva à prepotência de Ser maior. Quando em nada nos retira fragilidade. Olho para os meus pulsos e consigo divisar todas as veias que o percorrem. São o ténue invólucro que encaminham a fonte de energia, que faz mover a minha mão. Suportar o peso da caneta que sustento e atribui à tinta a exactidão do que quero dar às minhas palavras. O outro pulso está sob a minha cabeça. Sinto bem junto ao meu ouvido as batidas compassadas do meu coração. Não parou. Ainda se move. Consigo eu me mover. Serão de facto, os meus movimentos sinal de progressão. Quantos de nós julgam que caminham ao longo de uma estrada. Vão em frente para a vida. E se, se pudesse elevar, talvez vissem um profundo trilho circular, desenhado e vivido num campo pedregoso. Quanta vez podemos não sentir força suficiente para retirar aquela pedra que está diante de nós ou ligeiramente à margem do nosso caminho, para assim, conseguir-mos obter uma tangente à nossa vida. Conseguir sair da orbita de uma rotina imposta ou viciosamente desejada. Penso inúmeras vezes se a apatia não será dona de um doce demasiado sonífero. Maniatei-nos os membros com laços de preguiça. Total falta de ânimo e de resolução são os sentimentos que dão fibras a essas cordas, que se vão apertando cada vez mais aos membros, numa cadência lenta e quase imperceptível. Actua e nos toma pela inoperância. A cabeça abdica do seu poder de liderança. Apenas garante a sobrevivência desse corpo esquecido que lhe pesa demais. A cabeça ganha fadiga perseguindo fantasmas. Vultos esquivos que parecem brincarem à luz ténue do candeeiro. O débil feixe de luz ilumina um rosto semi adormecido que de forma mole procura o seu próprio calor num afago ao travesseiro.
Por Eumesma

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

C & C

Na escrita como na vida há que usar a cabeça e o coração. A cabeça para estruturar a ordem. O coração para o conteudo, os sentimentos e as sensações. tenho dificuldade em exprimir os meus sentimentos, medo em os mostrar. A escrita liberta-me. Ela não me julga, nem analisa. Cada um cria e sente da sua forma.

Por Eumesma para F. Caldas

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

LÂMINA


Dava-te um abraço para te animar.
Mas os abraços conseguem ser tão externos.
Poderia ser como abraçar uma casca.
Gostava de estar lá dentro para me sentires.
O doce calor que exala o teu corpo é um engano para o meu peito gelado.
Aquece-me o abraço, mas a carne continua gelada e sem vida.
O espírito move-se e atormenta-se, gira e revolve-se nesta crisálida poeirenta.
Grita: deixa-me viver em ti.
Perfurar a tua alma como se de um punhal de prata se tratasse.
Tempera em ti o frio da lâmina que sou.
Por Eumesma

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

RUBOR PERDIDO


Onde estão as cores que te tingiam o rosto? O calor que o fazia roborizar? Por certo, se esgotou e arrefeceu. Foi levado e consumido pelos primeiros frios. Devorado pela aragem gélida que o recortou. Perdestes as cores da tua face para as entregares ás folhas que findam o seu ciclo. Ficam suspensas a aguardar a sua hora. O momento da sua precipitação. Planam temporariamente no vazio até permanecerem de forma perene no chão que as vai consumir. Dourados, laranjas e vermelhos, fugazes sensações visuais de um mundo quente, que nunca possuiu calor. Falsa aparência de luz, que deixou de precisar de viver na luz. Velam pelo dia que a humidade e os vermes as vão devorar. Manta morta e amorfa será tudo o que vai restar. Procura as tuas cores. Esfrega o teu rosto. Dá vida ao que não pode perecer assim.
Por Eumesma

terça-feira, 20 de novembro de 2007


O TEU CORPO ESTÁ MORTO, SE O TEU ESPÍRITO NÃO VIVE.
Por Eumesma

sábado, 17 de novembro de 2007

MINOTAURO INVERTIDO


Passo a explicar, existe na minha terra um monte, chamado monte castelo, onde actualmente não existe nada para além de um aglomerado monte de pedras, mas á alguns séculos atrás, havia registos da existência de um castelo em madeira (castro), que serviria para a defesa da fronteira do nosso país embrionário, e que aos longos dos tempos foi desapareçendo.No entanto, há muito tempo atrás, talvez mesmo antes da construção dessa frágil mas altaneira fortificção ser construida, contava-se que um pastor possuia uma manada de vacas que se alimentavam nas vertentes daquele monte. Entre os animais, ele possuia um grande boi, bem constituido. Certo dia esse belo animal afastou-se da restante manada, e mesmo depois de uma minuciosa procura por parte do pastor, o animal não foi encontrado.Passados dias, semanas até, estando o pastor a guardar o resto do rebanho na zona onde ou seu boi tinha desapareçido, vê regressar novamente o animal para junto dos restantes. Porém, o boi regressava um pouco diferente. Por entre os seus cornos, podiam-se ver pendurados colares e diademas, de uma riqueza nunca vista.Ao regressar à aldeia, e depois de contar o sucedido, muitas pessoas subiram ao monte para tentar explicar o sucedido, quem sabe talvez encontrar uma entrada para alguma gruta...mas nunca mais ninguém conseguiu encontrar nada.



Aqui fica um pequenino contributo que me foi transmitido pelos meus ascendentes e que preservo no coração e na mente. Por Eumesma

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

PROCURA


Não sei onde te encontrar, mas tenho uma certeza, sei que te procuro. Não sei porque te procuro, mas sei que te quero encontrar. Como já estou esgotada de pensar na tua existência em mim, resolvi, que me desses liberdade para ocupar a minha consciência com outras ideias, para além das de idealizar a tua pessoa. Num remoinho sináptico a minha mente foi sugada para um tempo não muito distante. Sonhei com aqueles dias em que subia a montanha para ouvir o Universo. Lembrei-me do que fazia e do que sentia. O subir daquela encosta íngreme até ao ponto da minha eleição. Uma grande laje redonda, rodeada por outras rochas, como se de um sinédrio se tratasse e com uma outra pedra no centro, assemelhando-se a um trono. Ficava ali em silêncio, em sinal de respeito, submissa, porque ali junto de mim, estavam entidades superiores á minha pessoa. Supremas a todos nós. Havia o Pai. O Sol, senhor de toda a paisagem avistável. Um reino ilimitado sem confins. De onde só ele lá do alto, no meio do seu próprio brilho conhecia os segredos. Terno e quente, mas que se ausentava para dar lugar á noite. A Terra (solo), escassa e dura, que exigia batalhas sucessivas à vegetação. Sempre a fugir das suas raízes, sempre a exigir – até ás plantas mais resistentes – que viviam sobre o fio da navalha. Entre a vida e a morte. Nas fendas de algumas rochas, alguns exemplares de briófitas lutavam por algumas gramas de poeira, que fizessem a diferença. A terra só era volúvel porque algo solúvel assim a obrigava.
Por Eumesma

NOTA AO PSICANALISTA


Quando comecei a reflectir sobre o que deveria escrever, que ideias havia de exprimir, que sentimentos, que desejos a acrescentar, cheguei a uma conclusão. Acabo por descobrir que a minha pessoa gosta mais de dar asas á imaginação – inventando situações para outras personagens – do que o que me vai cá dentro.
Faça eu, uma analepse. “Naquele dia”, o imbróglio do meu desespero (já há muito a acumular) subiu-me ao esófago, provocando-me a sensação, um tanto ou quanto semelhante á asfixia. Outros sintomas se seguiram. Com certa desconfiança minha, o seu desencadeamento foi provocado pelo aumento da minha exposição ao tédio.
A início estava um pouco receosa, porque desde sempre fui bastante independente, e todo o problema referente a mim e aos meus próximos era resolvido igualmente, dentro de mim.
Momentos depois, ou seja, em qualquer ponto da conversação, o meu espírito acalmou-se um pouco. As soluções não me foram dadas, mas foram-me oferecidos novos pontos de vista, que eu não queria ver, talvez por desejar ficar um pouco cega.
Concluo, que no fim, o que mais agradeço, foi ter-me sido permitida uma hora de conversação, com alguém que me é superior culturalmente.
Não reli o que escrevi, porque senti tal facto desnecessário, mas no entanto, pelo que me lembro de ter escrito, fui talvez muito sintética e pouco clara. Como disse inicialmente, sou mais virada para as histórias do que para a minha história.P.S.: Quando sai da nossa “conversação”, vi a ondulação que a chuva provocava nos charcos e fiquei novamente triste durante todo o dia.
Por Eumesma

CARTA AO QUE TU ÉS


Quando tentei escrever uma palavra nem uma me surgiu. Sei que te devia dizer tantas coisas mas junto ao meu coração há um vazio onde existe um eco, que repete vezes sem conta, que tudo o que tenho para te dizer, já tu adivinhas em mim.
E porque estranha força da Natureza também eu suspeito dos teus modos de ser. A minha mente está submersa em dúvidas. O que nos atraiu? Os nossos nadas talvez, o nosso vazio interior. A simplicidade de nada querer-mos, o básico de ficarmos felizes se tocamos em assuntos como o céu estrelado. Acompanho o tempo alienada, mas eu sei que na terra tenho de colocar os pés, e desta vez só para te dizer: que vou alongar esta mensagem para além do suportável da tua paciência. Perdoa-me a provável longevidade. Só o faço para estar um pouco mais à frente dos teus olhos, presente (ou ausente) da tua mente. Em tuas mãos. Acrescento, com o mesmo objectivo (de não te aborrecer) que o que eu possa aqui dizer não tenha qualquer sentido. Mas pode ser que a tua alma nobre se compadeça da minha falta de ideias e de senso. Um passo adiante, e chego ao espaço das constantes questões. Também te questionas, sobre que estranha força da Natureza nos atrai? Porque será que cada palavra que proferimos um ao outro, esta se assemelha a uma peça de puzzle, que se une a outras sucessivamente! Tu descobriste o meu calcanhar de Aquiles. É verdade que sou insegura. Mas acredita que dúvida não é, nem nunca será defeito. Ajuda-te a nunca caíres em erros. Mas que digo eu. Tu não és um erro. Tu és uma certeza em mim. Perdoa-me se eu sim, errar. Se eu me precipito a ajuizar-te, mas o meu interior acha que te encontrou. O meu interior acha que te descobriu quem tu és ou que sonha como tu serás.
Começo pela parte má. Não acredito, que sejas sempre tão doce, meigo, dedicado, alegre. Ninguém é. Mas mesmo enfurecido, deves ser belo. Mas esta parte, não pretendo presenciar, apesar de ter noção de que posso ser provocadora e desvairar o mais sereno ser.
A tua parte em maior percentagem. A tua parte boa. Vou esquartejar-te em três: físico – psico – moral. Não consigo imaginar o teu rosto e como fico triste por não saber como é o teu olhar. Como é o teu sorriso. No entanto, agradeço à minha imaginação, pelo mínimo que ela me concede. Sem te ter aqui, ela me dá a conhecer o teu perfume, o teu tacto. A pele do teu corpo deve ter o cheiro de terra molhada com ar de Outono. A musgo e a uma floresta de bétulas e choupos. E o teu toque de violetas bravas orvalhadas.
Descubro em ti além de nobreza, um homem de bem, isto é, prudente, bom, corajoso e confiante. Que és alegre mas discreto, inteligente com interesses em temas actuais, mas que não sejam “ocos” nem frívolos. Culto e conhecedor sem necessidade de exibições nem de petulâncias. Não me proíbas de dizer a verdade. De dizer o que acho de ti e que mereces que seja dito.
Tu és isto para mim. Deixa-te estar, mas eu ainda não terminei. Amigo, fiel e correcto, que como eu nada ambiciona. Só deseja que lhe sejam concedidos desejos muito cândidos e simples. Nós desejamos….a felicidade.
Tu entendes-me e eu procuro te entender. É essa a magia louca que nos atrai. Obrigado por existires. Obrigado por me fazeres tão bem. Por aceitares os meus devaneios.
O meio onde vivo é muito belo e saudável, sem confusões. Mas o pior, é o sacrifício que faço para me manter alegre. O pouco que circula por aqui, nem sempre é de qualidade e acabo quase sempre só…vazia. Retendo dúzias de pensamentos, que gostava de partilhar com o mundo. Aceitas este pedaço de mim, que ninguém quer? Já tentei começar milhares de assuntos, mas nenhum consegue ficar o tempo suficiente para eu o passar para o papel. Como já te disse, deixas-me sem palavras. Fecho os olhos e a tua voz me abraça. O que eu mais gostava de ver em ti era o teu respirar. Sentir os movimentos da tua caixa torácica. Ouvir o bater do teu coração. Ver-te ao pôr-do-sol, passeando nas margens do …Estou triste, e amaldiçoo-o este papel, porque ele vai estar nas tuas mãos. Tu vais-lhe ditar um destino. E eu, mesmo que continues a suportar-me, quando nos cruzaremos. Não quero pensar nisto, quero estar feliz… e uma palavra basta para que sorria – Encontrei-te.

…pensei que era fácil te escrever mas nunca me foi tão difícil encontrar algo para dizer.

Não me despeço. Digo-te até já. Não te mando um beijo. Mas sim todos aqueles que precisares.
Por Eumesma

domingo, 11 de novembro de 2007

(DES)ANIMO


Animo:

Sentimento que exige constante gasto de energia.

É uma permanente tentativa para nos manter á superfície.

Insistência para conseguir manter a cabeça levantada.

Talvez fugir seja a solução, ou talvez não, mas ando muito preguiçosa para descobrir a verdade, logo enveredo pelo caminho mais simples, ou seja, não vou fazer nada.

Aqui estou eu sentada, num local vazio que eu especialmente escolhi para me encontrar desta mesma forma.

Tento aproveitar o tempo que me resta até ir trabalhar.

Tento não ocupar a minha mente com nada.

Tento fazer como o animal que vai hibernar.

Reduzir ao máximo os meus esforços.

Não fazer mesmo nada.

Latência total.

Limito-me a acontecer.

O que falta para derreter gelos á minha volta e dar calor á vida, para quebrar tensões e desfazer enganos é a palavra que não disse, aquela razão que eu calei.
Por Eumesma

EDEMA


Esta solidão até me coloca com pena de mim mesma. Começo a pensar que todo o ser que é incapaz de amar é um inútil. Logo sou isso mesmo…não, o dobro disso…mas…eu até tenho tanto amor para dar, que até parece que rebento. Tudo arde por dentro. Como é possível que ninguém me socorra. Me consiga lancetar. Por favor…isto é um edema doloroso. Está aqui dentro das minhas veias sem a mínima intenção de sair de circulação. Creio que se continua vai matar-me por asfixia. Se é que já não estou morta. É certo que até acreditava ser uma pessoa com força para continuar, mas agora não sei. Talvez a desistência seja a força maior. O meu corpo está deposto. O meu espírito em breve expirará. Não consegue manter-se vazio. Eu sou o vazio puro. Porque será que os nadas são atraídos para mim, é quase como se eu fosse uma espiral, sorvendo toda a matéria.
Por Eumesma

SAI DE MIM...


Sai de mim, liberta-me, deixa-me respirar. Ordeno-te. Abandona-me.

Começo com algo forte…adoro o ser humano, mas esta espécie anda a entristecer-me. Desconheço-os. Não são da minha carne, da minha substância. Acho que adquiri uma enfermidade. Deixei de ter noção do movimento e os meus olhos só vêem o que está paralisado. O meu olhar fica ligado ao céu nublado. Elas (nuvens) sugam o meu nervo óptico para o interior do seu estado gasoso. Mas se o céu não me faz crescer asas para viver nos seus reinos, que me aceite Gaia. Ultimamente a imagem de lama, raízes, lodo, tem me surgido por várias vezes na minha mente. Flores de aloé. Sinto-me uma flor de cacto. Bonita metáfora, mas neste caso o importante não é a figura de estilo, é a parte espinhosa da afirmação. Tanta substância nociva neste meu habitáculo carnal. Como se pode armazenar? Eu ordeno-te que saias…

Porque será que as pessoas se esqueceram do que é pequeno e embarcaram em grandezas…

Sinto-me de tal modo vazia… que emudeço…mas ao pensares nesse vazio, não estás vazia. Quem te disse que estavas?
Por Eumesma

sábado, 10 de novembro de 2007

PÁG6 - GENE


Diogo afirmava cada vez mais no seu intimo que aquele curioso, só podia ser um tarado sarcástico que estava para ali a zombar da sua paciência e a procurar o ponto máximo da sua tensão. E ele que não suportava tais pessoas de bom grado.
- “Deixe-me prosseguir, não esteja para ai a interrogar-me com o olhar. Muito bem, o assassino da sua mulher foi você mesmo.”
Diogo devia por tal homem na rua a pontapés ou então fazer um telefonema para a esquadra mais próxima ou mesmo para um sanatório, porque tal homem apenas podia ter dado de frosques de tal lugar. Mas por mais que o atingisse o cume do absurdo, o seu sistema nervoso tinha ficado curioso quanto a esta versão estapafúrdia da história.
- “Vejo que o senhor até encarou bem o facto, como já prevíamos. O crime sucedeu-se porque o fizemos ingerir a tal droga secreta. E se me deixar passar a expressão, matámos dois coelhos com uma cajadada só. Em primeiro matámos a sua mulher da maneira mais improvável, através de um ataque de rua, tendo como álibi gente da justiça que o tirou rapidamente da cena do crime, colocando-o rapidamente no seu posto de trabalho, nos hotéis Minerva, onde já labutava há duas semanas. Em segundo, acabou por ser cobaia da nossa experiência.
A exaltação de Diogo surgiu por fim juntamente com um optimismo fictício. Começou a dar volta à sua mobília muito interessado no certo encaixe que aquele homem tinha dado à história. Até já lhe oferecia um cafezinho e mais que fosse. Um sorriso cínico fazia o professor quase dar por terminada a sua missão.
- “Diga-me, você ainda não acredita, pois não? Mas se quiser pode ir fazer uma análise ao sangue e eles lhe darão como resultado uma substância estranha. Por ultimo, tenho o que é opcional: ou você aceita a nossa proposta ou irá de “cana” 20 anos. Nada nem ninguém o poderá ilibar. Tem como segunda hipótese cumprir-nos uma missão que lhe será transmitida posteriormente. Se escolher esta, pode contactar-nos todas as nove horas, no prazo de uma semana, através dum outro agente, junto à sepultura do seu pai.” – Olhou simplesmente pela janela e para o relógio que se evidenciava claramente no pulso. – “Creio que é mais que tempo para me retirar da sua presença.”
Diogo estava de costas voltadas muito conformado e seguro de si. Dava para ouvir um leve sibilo que pronunciava “boa noite”. Diogo ouviu tal som mas desta vez ainda não foi coisa com pés nem cabeça, ou melhor, ele acabou por ouvir que era escusado apresentar-se ao emprego no dia seguinte.
Eram já 23 horas. Num ponto aquele louco teve sorte, a chuva tinha parado de cair e desta parecia definitivamente.
“Sorte para aquele louco mas melhor tenho eu, porque a cama já me chama.” – Uma ideia fixa apoderava-se do seu cérebro. – “Amostra de sangue…amostra de sangue…, só posso ter sido contagiado por aquele maníaco.”
Ia pelo passeio e a hora para se apresentar ao trabalho ainda estava distante. Por isso não precisava de ter pressa e o trabalho distava dali apenas uns escassos terezentos metros. A sua atenção virou-se para uma criança cega mesmo ao virar da esquina do edifício onde trabalhava.
Era um menino, quase um rapazote, teria entre 12 e 15 anos. Tinha o rosto composto, mas com falta de limpeza. O cabelo parecia estar tratado, mas não tinha visto o pente nessa manhã. Estava descalço e com pouco mais que uma camisola, contendo mais buracos que um crivo e dezenas de fios desfiados. As calças estavam em melhor estado, mas a zona dos joelhos encontrava-se já muito puída. Os pés, descalços naquele húmido passeio, não se encontravam calejados, pelo contrário, mostravam uma pele branca e muito fina. O que saltou mais à atenção de Diogo foi o vislumbre de uns quantos dentinhos mais brancos que o puro branco! E os seus olhos pareciam-no observar.
-“Em breve o senhor andará cheio de sumo de cenoura e autodisciplina!”
Notou que era outra criatura vítima do mundo louco. De tal modo o compadeceu que lá largou uma larga esmola.
Mal Diogo pôs um pé dentro da porta do hotel onde trabalhava, deu conta que mesmo no centro do átrio estava “hábito de intemperança”, ou melhor, o patrão dos hotéis. Foi rápido e mortífero.
Pediu-me para que não requeresse explicações. Despedia-me. Acrescentou ainda: - “Você sabe precisamente porque o estou a despedir e não vale a pena solicitar qualquer tribunal, qualquer sindicato. Ninguém o ouvirá!”
Como mal o tinham deixado entrar nas instalações, bastou um passo à retaguarda para obedecer prontamente.
Que interessa ao leitor qual o resultado das análises de Diogo, o encontro no cemitério e a missão que lhe foi confiada, quem era o miúdo ou quem era o dono da repelente cicatriz!
O mais importante, o imperativo é que ela (esta história) não pode existir. Sejamos realistas como Diogo: se esta história tivesse continuação seria um busílis, ou seja, havia grande dificuldade em acreditar nesta sandice em jeito de grande ficção científica. Por agora vejam-na inverosímil e transeunte.
Por Eumesma

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

PÁG5 - GENE


- “Até aqui sei eu, sabe o senhor, sabe todo o mundo que quisesse saber. Mas há, infelizmente para alguns (e são bastantes), um “mas” que você não sabe. Dê-me vinte minutos e a minha missão estará cumprida. Não tem por aí nada que se beba? Se também quiser, traga para si algo forte.”
Virando as costas pela primeira vez àquele desconhecido, dirigiu-se a um bar elegante, bastante dourado acompanhado por um toque turqueza. Quando novamente regressou para a presença da estranha personagem, possuía já dois copos de wisky, sendo quase três quartos do copo composto por gelo, substância que pressagiava ser precisa a cada momento que as cordas vocais do grosso pescoço daquele estranho suavam lentas palavras.
- “ Vou tentar ser o mais curto e breve, mas inteligível. Estou aqui a cargo de uma organização filial às forças secretas. O que dá já para entender o porquê de eu saber os seus dados pessoais. É você quem menos sabe da sua vida. Está agora a passar um ano que o seu pai, em conjunto com mais algumas pessoas, participava num projecto secreto. É do conhecimento geral o actual estado da divisão da região de kapuna em duas partes: Emausa, à qual nós nos aliámos e, como oponente, temos Manéla. Estavam a pesquisar o desenvolvimento de uma arma, que o não era bem. Essa arma seria financiada por Emausa. O problema foi a sua mulher!”.
Van Drolen disse aquilo com tal naturalidade que Diogo apenas processou o impulso de querer iniciar um discurso de indignação. Tudo era ridículo! Esse professoreco só poderia estar completamente afectado na moleirinha.
A seriedade de Drolen prosseguiu ao longo do monólogo que estava a ser tomado como uma história absurda e inundada de imaginação, tal como o dilúvio que se travava para lá da vidraça. A noite tinha ficado da cor do breu. O nosso refastelado homem não se parecia preocupar. Afinal de contas, o que poderia acontecer perto daquele monstro enorme de ombros largos e gabardina até aos tornozelos?
- “Sei que me deve estar a tomar por louco, ainda o vai achar mais, mas o pior são as provas.” E fez silêncio novamente, ao passo que em Diogo a sua consciência travava uma luta de ideias em tão alta voz que Van Drolen apercebia-se dos seus pensamentos. – “É verdade que você conheceu a sua mulher duas semanas antes de rebentar a guerra entre Emausa e Manéla. Casou com ela dali a quatro meses, sendo ela morta na véspara do quinto. Na realidade, a nacionalidade dos pais dela não era Emausa mas sim Manéla e o seu pai soube disso e muito mais. Ele soube que Helena Petrovena era uma espia e que tinha descoberto o que o exército estava a produzir. Creio que é nesta parte que não vai de maneira nenhuma acreditar. Neste momento, já posso divulgar que tipo de arma, ou melhor, que substância é que o nosso país está a produzir secretamente. Trata-se de um líquido que se assemelha em tudo á água e se for mesmo depositado nela é dificilmente identificado e impossível de ser retirado, a não ser que se lhe junte uma outra substância, o mesmo que dizer, um tipo de antídoto. Fabulosos mesmo são os seus efeitos: esta substância tem uma função auto-hipnótica. É difícil de compreender, mas leva a informação da missão na sua estrutura, tal como as cadeias de D.N.A.
Esta substância tem como vitimas as pessoas chegadas àquelas a quem se pretende eliminar. Ou se disseminado numa população, poderá levar à sua auto-destruição. Imagine a carnificina que tal produto pode provocar. Por favor, e peço-lhe que continue a ouvir-me, pois toda esta informação lhe será útil, isso eu lho garanto, quer queira quer não!”.

PAG4 - GENE


Sem saber porquê, ao chegar ao seu apartamento, sentiu um ar saturado. O oxigénio passou a estar tão irrespirável como se tentasse sorver cimento por uma palhinha.
Tinha a sensação de alguém ter entrado em sua casa. Não era muito bom de ouvido, mas pareceu-lhe que alguém estava no seu sofá, lendo, porque esfolhava um livro, virando as páginas muito violentamente, quase com o propósito de as ouvirem.
- “Talvez seja um amigo, mas não tenho amigos que enganem fechaduras. De qualquer modo, esse alguém não me quer alterado, com exaltação.”
Um homem…a quem Diogo falou sem tom nem som. Um homem que produziu nele um eclipse de vontade. Tomou como táctica o contra-ataque, porque esta é provavelmente a melhor defesa.
Em todo aquele exsudar de coragem – medo, ou melhor, naquela atitude beligerante de cera, havia duas mãos que estavam a pensar mais que uma cabeça.
Durante dois moveres de relógio, os dois homens puderam tirar impressões, se é que é assim que se poderá deixar tomar nome.
Do lado oposto da barricada havia um homem que observava Diogo. Possuidor de um rosto anguloso que era o sinal de inteligência. Conservava ainda parte do encanto da juventude, apesar de estar acima da casa dos quarenta. Mas o homem não estabeleceu discurso algum, devido à sua posição de calma sobre o sofá de veludo cinzento.
Diogo jazia ainda a poucos passos da porta. Apesar da sua perplexidade, também observou o rosto daquele intruso. Loiro e olhos claros, magro mas bem proporcionado de estatura. De pele lívida, era quase de certeza do norte europeu. Pelo rosto, também lhe avaliou o psicológico que foi tirado pelo dito espelho falso da alma, que é o olhar. O feixe da luminosidade escura que tresandava dele demonstrava uma personalidade, que infelizmente, alternava com uma expressão de loucura.
Como em termos físicos Diogo estava em desvantagem, tentou desviar o olhar para qualquer objecto que o pudesse salvar de um possível ataque. A apresentação por parte do estranho não deixou os olhos de Diogo chegarem á vara de ferro que servia para atiçar as brasas da lareira.
- “Meu nome ser Drolen. Professor Van Drolen”. E estendeu uma maozarrona do tamanho de uma posta de bacalhau. Se, se viesse a conhecer aquilo, ( o Van) ia ser cá um “dá-me cinco”. A amizade parecia ser impossível de se travar, as pontas dos dedos mal se tocaram. Recuaram ás posições antes possuídas. Foi neste recuar que Diogo notou pelo sotaque ter ali um “Neogermânico”.
O Van qualquer coisa mostrava a Diogo, a cada expirar e inspirar, que a sua calma não era feita de ferro, mas de qualquer coisa como betão, ou melhor, de diamante. Parecia mesmo que quem era ali o estranho era o próprio Diogo.
Na mente de Diogo, perfilhava-se cada vez mais insistentemente, quase com a força de um turbilhão, questões como: - “Que faz ele aqui?”; “Que me quer ele?”; “Afinal, quem é ele?”.
O professor parecia perceber todo o pensamento de Diogo e todos os efeitos do seu receio.
- “Aviso-o que o diálogo vai ser longo e certas passagens vão-lhe ser chocantes, portanto, aconselho-o simplesmente a sentar-se”.
Não teve sequer ponta para contornar aquela quase ordem porque o tom chegou bastante sério.
-“…prosseguindo, por onde posso eu começar?” – E como se visualizasse em diário, começou precisamente… -“Se tenho de começar, tenho de começar pelo principio. Chama-se Diogo Gaivão Calheiros. Correcto. Filho de Marta Gaivão, prima do presidente, e filho de Antão Calheiros, general das Forças Armadas. Correcto. Viúvo de Helena Petrovena, com nacionalidade Emausa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

PÁG3 - GENE


Imagine-se agora um outro cenário. Escolha qualquer um que a nossa sétima arte lhe vá sugerindo, desde os 007 até aos desenhos animados japoneses. Peço que veja paredes obscuras e, porque não, considerar tudo? Isso mesmo! De certo até nasce tudo da escuridão. Mesmo a Phoenix, pássaro da vida e da luz, diz-se ter nascido da escura cinza.
- Relatório?
Acrescento-lhe apenas que a única coisa que se podia ver do cotovelo ao pé de um fraco candeeiro, era uma asquerosa e sinistra cicatriz, resultante de um provável queimadura ou estilhaços vítreos. Para além deste facto e desta palavra, pouco mais se podia adiantar. Não conjecturemos quem era esta personagem. Que não passe pela vossa cabeça que seja o mau da história ou que seja o doutor bonzinho, que teve um acidente laboratorial, como acontece em toda a história científica, quer seja ela boa literatura quer seja a mais reles foleirice.
Ao seu lado estava o dito “cromo” apelidado por Diogo, que bem instalada numa cadeira, lambia um chupa. Verbalizou.
- Creio, no meu entender que ele está pronto. Apesar da cena ainda ser muito leve e pouco reveladora do sentimento humano. Acredito que já conseguiu ultrapassar o choque causado pela morte da única coisa que ainda possuía. Só por pequeno reparo, causou-me mesmo a sensação que lhe deu um ar de riso a minha fatiota. E se me deixar acrescentar algo mais, atrevo-me a dizer que ele demonstra ter bastante sentido de perspicácia. Digamos, com um pouco de ironia da minha parte, que se não fossem os meus dotes de actriz, ter-lhe-ia ficado a cheirar a qualquer marosca.
Aquela coisa à esquina respondeu muito roucamente:
- Podes ir. Deixo o resto ao colega, professor Van Drolen.
Diogo estava novamente debaixo de toldos, porque os constantes chuviscos faziam sentir-se de tempos a tempos.
Enquanto pensava no episódio do qual tinha feito parte, não reparou que entrava numa daquelas lojas de 300. A uma esquina da minúscula e atafulhada loja, encontrava-se uma senhora daquelas a quem os cavalheiros se dirigem nestes modos: -“A menina tem isto ou aquilo?”. Ela olhava de soslaio enquanto limava as unhas, ou direi melhor, as garras do animal mais selvagem.
Ele passeava-se por entre prateleiras em que, basicamente e sem ofensa a tais países, apenas encontramos made in China ou in Spain. Eram de fitas para o cabelo a copos, de bonecos a rebuçados. Tantas bugigangas. Tanto plástico.
Foi num pingente de um objecto que viu conspicuosamente um reflexo de um reflexo.
Começou a pensar que a sua vida surgiu com o objectivo de pertencer ao esquecimento.
Lançou para dentro daquele cristal, que não passava de um vidro, a mensagem de que precisava de uma forma de alimentar as substâncias da alma.
A sua moral estava agora como uma pena, no entanto, há alguns dias, nem com um guindaste a podia erguer. Voltou a virar os olhos profundos novamente para aquela coisa invés da sua consciência.
O dia estava prestes a ceder ao manto da noite. Diogo voltou para casa por uma parte da cidade que até ali não lhe tinha saltado aos olhos. Local que era um emaranhado de despidos troncos que abraçam o céu. O parque, se é que é esse o nome apropriado, era constituído por uma paisagem seminatural e semifabricada. A sensação de leveza que lhe ia no íntimo fazia conseguir num só olhar, pedras, relva, flores.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

PÁG2 - GENE


Um sítio escuro que não era o seu aposento. Esse lugar de profunda escuridão era atravessado diagonalmente por luz, uma faixa. O pó subia-lhe pelos mais delicados raios luminosos. Fugindo do medo, do vazio atormentador, algo inanimado lança o seu receio sem direcção, talvez para as paredes de cor amarela desesperante. Esse ser era um cacto florido. No máximo da sua altura, contaria talvez com dez centímetros. A sua flor era de um vermelho tão vivo que parecia fluir para todo o chão. Quanto a barulho, nenhum, excepto um rufar de tambor com um compasso de batida de três em três segundos. Sem saber de onde, saltou uma pequena raposa. E ainda mais repentino, um outro som desconexado surgiu. Era o despertador hoje desnecessário.
Sim, às vezes podia-se-lhe chamar desmazelado, mas em outras ocasiões era extremamente perfeito, sobretudo em toda a lida doméstica. No entanto, solitariamente dentro de quatro paredes, para quê ser aprumado e romântico com o pequeno-almoço que se mete para o saco?
De qualquer modo, por muito que se vagueie por meio da mobília, uma pessoa só, um homem, não aguenta assim o passar dos minutos. A prevista saída deu-se já bem tarde, mas para quem não tem de dar satisfações, era bem cedo.
Desceu muitas e subiu outras tantas escadas, correu vitrinas, ruas, casas, lojas, canteiros sem conta, sem olhar para cima ou para qualquer direcção que a agulha de uma bússola pode experimentar. O seu local era realmente o chão.
Já deu para compreender que este homem não era para exclusividades. Significando que nem sempre os seus olhos queriam o chão asqueroso da cidade. De tempos a tempos até se ia sentando numa esplanada (de preferência com poucos clientes) a apreciar espectaculares exibições, certas extravagâncias da nossa também extravagante sociedade. Hoje, a quem apetecia ser extravagante era a Diogo! Faltava era saber onde. Não podia ser ao ar livre. A torneira do lavatório do céu ainda não tinha os parafusos bem apertados. A qualquer momento, das nuvens negras, do nevoeiro espesso saltaria uma valente rajada líquida.
Continuou a passear-se pelas ruas. Agora pela L, depois cruzou e prosseguiu pela Q.
Quando se encontro na esquina de uma pequena ruela, ouviu um grito de desespero saído de dentro dela. Pela voz esganiçada calculou que fosse uma rapariga ainda muito nova, provavelmente tendo como cenário o mesmo da sua falecida. Reagiu por instinto, não se preocupando com a situação que iria enfrentar nem com os perigos a que se expunha. Uma vida estava em jogo.
O larápio foi rapidamente avistado sem que Diogo observasse a vítima, a quem o assaltante tentava sufocar com um reles pano de flanela.
Vi os olhos, os olhos de uma criança de rua, tentando obter bens para a sua sobrevivência. No seu rosto via-se um choro raivoso como se rosnasse à volta de um osso. Mal lhe tentei pôr as mãos e ele já fugia como um animal selvático, com o rabo entre as pernas, deixando inclusive a bolsa da sua vítima a dez passos da pobre.
Ela estava estatelada no chão, tentando tomar algum longo folgo. Desistindo da sua perseguição, viu, finalmente, uma mulher de cabelos pretos e uns óculos com lentes que se assemelhavam a fundos de garrafa. Ajudou-a a levantar-se e sem exageros – ela tinha o seu quase metro e oitenta. Era deveras esguia o que dava ao seu aspecto o perfile de uma escada. As suas pernas longas estavam a descoberto até meio da coxa por causa de um rasgão na saia (micro). Tinha a cara de uma rapariga chique e, no entanto, inocente e um pouco tontinha. Ela ia pronunciando a cada instante, num murmúrio nada inteligível a palavra “obrigado” enquanto ia repondo os óculos bem no alto do seu nariz. A cada gesto que ela realizava, mais curioso Diogo ficava em saber o que fazia ali aquele cromo a limpar a bainha da saia, a ajeitar a franja, a afinar as cordas vocais. Deveras só isso já dava para…
- Que fazia você aqui…para além de…bem…ainda não sei como tratá-la.
Mas ela abandonou-o, evaporou-se.
- Estranho! A palavra já lhe estava atravessada no pescoço há algum tempo atrás.

PÁG1 - GENE


Ilhargando a rua B, diria mesmo num local arredio, adusto pelo calor, assinalava-se o chamejar do Sol sobre as pedras da calçada.
Tudo era tórrido neste Setembro. Tudo parecia escaldante e, no entanto, voluptuoso, lúbrico, quer fosse a água de um bebedouro, um gelado de nata, o cabelo de uma loira ou até o pó que andava no ar.
Depois de dobrar uma segunda esquina, proferiu para a sua consciência que o transpirar estava prestes a processar-se. Quando confidenciava para si próprio que já ia uma pausa, revolveu-se algo no seu interior que dava para jurar que se pudera ouvir aquele calhau da garganta a cair-lhe em seco no ventre. Um semi-turbilhão subiu-lhe à raiz do cabelo e deu-lhe um valente puxão. “Caio”. Sentei-me numa boca de incêndio mesmo defronte do semáforo, a uma passadeira. Para quê pôr-me ao través? Já era grandinho e não tinha ninguém às dezoito horas em casa à minha espera, exceptuando o meu bichinho de estimação que não era ave rara, nem iguana, nem mesmo tarântula, mas sim um gordo gato amarelo.
No B.I. do bolso de trás estava escrito Diogo Gavião Calheiros, filho de Marta Gavião e Antão calheiros. Altura – 1,70; Idade 38; Estado Civil – Víuvo. Ainda absorto na sua atonia, não se tinha deslocado um centímetro. Vinha-lhe à memória a cara cheia de hematomas da falecida esposa, com a pele como porcelana, violentada numa rua daquela miserável cidade em pleno dia. Esse acontecimento tinha endurecido tanto o seu coração, que a sua voz e o seu olhar assemelhavam-se a fios de facas.
Todo o seu intelecto, toda a sua alma identificavam-se com qualquer forma de terror. Melhor seria, contudo, apagar esta palavra, terror. Era certo que ele era macabro, no entanto, um desconhecido digno de interesse.
- Oito horas! Como é tarde!
O céu preparava-se para fazer chover torrencialmente. E foi uma questão de dois segundos para tal acontecer.
Os seus ossos começavam a sentir a humidade quando Diogo alcançou a porta da sua casa. A cada gota que caía dos seus cabelos negros encrespados, a cada andar que o elevador sulcava, era ansiedade que foliava no seu peito. O desejo de isolamento (finalmente) do mundo. Bem, do mundo…talvez não, mas pelo menos da sua parte louca. Atrever-se-ia mesmo a exclamar: - Meu Deus, quero fugir! Os olhos deles repugnam-me. O que dizem tem sentido, sentido que para mim não faz sentido. Que faço eu aqui? Não, não me respondeis! Isto é retórico e o retórico não quer resposta.
A porta foi fechada atrás de si. O amarelo foi avistado no tapete ao pé do sofá.
- Bichano, não deixes que eu fique doidivanas.
O gato não prestou muita fixação de espiríto, apesar do dono fazer mais silêncios do que diálogos amonologados.
Colocou os dossiers dos Hotéis Minerva (onde ele tinha o cargo de acessor do gerente) em cima da mesa da exígua sala.
Do sarcófago branco (frigorífico), retirou um pacote de leite, bebendo largos golos. Trata-se de algo pouco higiénico, mas a ratazana estomacal já tinha os dentes do tamanho das mandíbulas de castores.
Agora no meio da cozinha, quase que paralisado, permitiu que a noite esfregasse o som dos ponteiros do relógio nos seus tímpanos. Um fastio, uma insónia invadiram-no…apoderaram-se estes sintomas da sua sobriedade, de tal modo que o tomaram de um modo embriagado sobre a cama.
O felino surgiu ronronando junto dos pés do transtornado e logo saltou para cima dos cobertores. Foi alcançado por umas poderosas e carnudas mãos e, no entanto, de pequena dimensão. Ambos sentiam mutuamente os seus respirares. As suas pulsações tinham um bater ridículo.
- Sabes bucha, ainda bem que amanhã me dão folga para eu apertar os poucos ossos dos poucos amigos que ainda me restam! Isto porque as minhas constantes alunagens fazem-me aterrorizá-los até que quase nenhum deles me reste. Vão-me dando conversa, não pela minha posição social, mas pela minha carência sentimental e psicológica. Queres saber ainda algo mais: nem iremos falar com esses amigos. Erremos por aí até algum lugar, numa dessas quaisquer esquinas, passaremos o nosso ridículo tempo.
- Miau – retorquiu o gato secamente, pressentindo que a situação dele pouco ou nada mudaria se saísse ou não saísse.











No não fazer nada, as horas foram passando. A alta noite já se fazia sentir. A roupa foi secando no corpo sádico. A salientar havia muita coisa, tudo o que existia ou podia não existir, real ou abstracto, factos, negócios, circunstâncias, condição, assunto, mistério, tudo em evidência naquele rosto, naquele busto. A possessão abstrata que assolava a sua psyché. A profundidade da alienação era precipiciosa mas não ao ponto de não dar atenção à sua saúde.
À medida que tirava a gravata e começava a retirar os botões de suas casas na direcção de baixo para cima, foi-se mostrando uma pele que não era alva nem torrada, era dourada como os templos budistas do Oriente. O tronco era-lhe pouco favorável, quase fraco, os músculos lá se iam denotando. Podiam-se apreciar (se é que esta palavra não é um pouco forte), grossas venosas saídas em tonalidades de verde. Desabotoava os botões de punho, lembrando-se da sorte e do azar aparente dos outros. Ironias do Destino. E se por aqui seguisse, quero dizer, se divulgasse tudo o que ele acreditava sobre o Destino, não encontraria botões suficientes.
Foi-se aconchegando a um lençol cinzento aveludado, com o gordo aos pés. De certo modo gostava de ouvir o ronronar do gato para aniquilar o tempo de abismal silêncio.
O seu sono de peso – meia tonelada – abateu-se sobre a forma de dois desígnios de algo que aflige:





- Ai, ai…

terça-feira, 6 de novembro de 2007

CAMINHOS CRUZADOS


- Que raiva! Que ódio… Odeio, Odeio, quem é que ele pensa que é. Já não o consigo suportar. Nunca o suportei. Não foi para me sujeitar aos seus ares de importante que aceitei o lugar. Já me basta aguentar com os humores da mãe ainda tenho de levar com as birras do filho. Que cresçam ambos, melhor ainda, que vão os dois para o diabo.
Com este monólogo enraivecido, madalena vingou-se ao entrar na cozinha, batendo com toda a força a porta atrás de si. Porém, à sua frente lá estava como sempre a pacifica “Tia´Lice”, como todos chamavam carinhosamente à cozinheira da “Casa Grande”. Muito descontraída, a senhora que devia estar perto dos setenta anos, mas que quase aparentava menos duas décadas, apresentava-se serena diante de madalena, que regressava esbaforida e repleta de violência das divisões interiores da casa. Muito calmamente colocada atrás da bancada de mármore branca, que após ser utilizada inúmeras vezes, apresentava agora algumas covas na sua superfície, para onde acabavam de rolar os vegetais, que “Tia´Lice” cortava sabiamente, já sem necessitar de observar a tarefa que executava. Com um pequeno rasgo de ironia no seu rosto perguntou pausadamente.
- O que te fez o menino desta vez?
- Não me lembre desse homem, ou até tem uma certa razão, porque ele é um menino mimado.
Era de insulto em insulto que madalena ia aliviando a tensão que lhe corroía o corpo. Continuando a bufar violentamente, movimentava-se de um lado para o outro diante da bancada da cozinheira, parando por vezes para bater com mais violência com os seus saltos altos no chão de azulejos, também eles imaculados mas igualmente desgastados, pelo uso do tempo e agora a serem torturados pelas batidas ou quase coices de Madalena.
- Eu já nem sei bem como começamos, mas começo a achar que já não nos podemos cruzar. Esta situação começa a ficar insuportável, se é que já não o é.
- O problema dos meninos é apenas um. Personalidades duras que se chocam e fazem uma barulheira, mas no fundo se ambos se ouvissem, descobriam que têm muitas coisas em comum.
- Desculpe lá “Tia´Lice”, mas que posso eu ter em comum com esse, esse …esse bruto, esse selvagem, esse bicho-do-mato que está constantemente a agredir tudo o que se move à sua frente.
- A menina madalena enganasse… é pena. Com toda a sua inteligência, pensei que fosse mais atenta ao que a rodeia e que nos dois meses que está nesta casa, já soubesse distinguir, que cão que ladra não morde e se o faz que motivos teve para isso.
O silêncio instalou-se na divisão, enquanto a cozinheira voltava á tarefa de cortar os legumes baixando o seu olhar para a bancada. Madalena ficou momentaneamente a olhar para os diversos pedaços coloridos dos vegetais, à medida que foi desviando a sua vista para a porta envidraçada que dava para o jardim. Ao mesmo tempo que fez suar os tacões no sentido da porta, para a transpor, pareceu-lhe que a cozinheira tinha feito um novo sorriso irónico nas suas costas e iniciava mesmo um ligeiro trautear. Madalena fechou desta vez com mais cuidado a porta que dava para o jardim e ao sentir o ar frio de um Outono que começava a aproximar-se, sentiu que aquela brisa mais gélida lhe ia absorvendo a cólera. Madalena reflectia nas últimas palavras da cozinheira. Como tinha passado rápido o tempo pela sua vida, ou será que tinha passado com igual velocidade como com os outros? Não podia ser! Por certo a sua vida no último par de anos tinha corrido mais vertiginosamente para ela do que para os outros. Sentia-se como as rosas do jardim que tinha diante de si. A desfolharem-se. Mas ela não podia aceitar a imagem. Ela negava-se a que essa ideia se instalasse. Como podia ser possível se ainda caminhava para os trinta anos. Porém o percurso que prometia ser dourado foi-se enlameando ao longo dos anos e ela estava atolada nesse pântano. Uma pétala de rosa a asfixiar na lama.

Madalena Brandão Pinto Neto tinha nascido filha e sobrinha de gente endinheirada. Pessoas de bom coração mas para as quais, tudo o que parecia inatingível tinha apenas que ser dado um preço pelo qual se podia comprar. A infância e a juventude foi passada á sombra de notas e do poder que fizeram crescer na personalidade daquela menina características que os poucos amigos souberam reconhecer como ventos que ela semeava e que despoletavam tempestades que mais tarde ou mais cedo ia colher.
Por Eumesma

NO ESPAÇO DA MÃO



Julgas que estás livre mas tens mil amarras a prender-te!
Pertences à fracção dos que não acreditam.

Achas que só os alucinados podem conceber imagens diferentes da normalidade estabelecida?

Então não podes compreender o que pode conter uma mão vazia!

O espaço entre 5 dedos, pode ser o local, onde 1001 coisas se podem aninhar...

Mexer nos teus cabelos, tocar no teu rosto, sentir teus lábios... é muito doloroso.

Doi porque não te tenho.

Doi porque não me pertences.

Então porque sinto o teu sangue pulsar e o teu coração acelerar?

Por Eumesma

domingo, 28 de outubro de 2007

DICA PARA COMPREENDER (XX)




caros amigos, solteiros, assim-assim, futura carne para tubarão-fêmea e também para os devidamente e legalmente enforcados, aqui vai uma pista para tentar desvendar a obscura natureza do genero feminino. Aquela estranha parte da espécie humana que possui cromossomas sexuais XX.


p.s. Se existir um homem assim tão paciente, como este sr. tubarão para determinar o siginificado do estado de humor de uma mulher, eu caso com ele...

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

DESASSOSSEGO




O desassossego


é como o Homem


que pega na sua enxada


e quanto mais fundo cava,


mais minhocas encontra...
Por Eumesma

domingo, 21 de outubro de 2007

DIVAGAÇÃO


Sem nada que fazer, emersa em preguiça, resolvo te dar algumas palavras descritivas de como decorre este meu ocioso dia. A culpa desta falta de inércia não é só minha, é também consequência do estado meteorológico. Um dia que nasce, e que em nada é presságio do que vai dispor. A tarde começa neste fim de estio e o ar é o expoente máximo de saúde. Ao contrário dos dias anteriores, uma frescura saborosa é constantemente aspirada. O sol lança raios que aquecem o sangue mas sem o fazerem borbulhar. Céu e Terra tocam-se e trocam cor branca. Tudo é limpo, tudo é alvura. A copa das árvores revitalizou-se da sua crestação infligida recentemente, porque por muito maltratada que seja pela luz, terá sempre um perdão. Se eu desejasse ter ausência de som, este também era um daqueles dias que proporcionava isso mesmo. Se eu não quisesse ruído, não havia ruído. Haviam sons mudos.
Fico olhando as montanhas, procurando na sua forma a forma com que te desejo…sólido e firme. Sem nada que te demova, para que também nada me atinja…
Estou a imaginar-te aí longe, onde nada do que é físico em mim pode atingir, mas tudo quanto é incorpóreo te envolve. Tuas conexões nervosas, teu pulsar, teu respirar, teu exsudar, tudo o que a tua existência provoca é motivo de revolução em mim. E tu aí tão longe…
Afinal este dia é capaz de não ser assim tão graciosamente belo. Adianto mais, é me cruel e zombador. Mostra-me o que podia desfrutar contigo, mas retira-me o principal. A tua presença.
Que vaga que fico, em que muda me torno, qual pássaro desprovido de liberdade.

Dia corre velozmente e o amanhã também…

Por Eumesma

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

HÁ DO VERBO HAVER


Há por ai muitos imbecis acomodados.

Há muito que penso nos porquês da solidão e cheguei á exaustão das possíveis razões.

Há muitas pessoas mortas em vida.

Há sonhos que podem ser pequenas coisas, que por vezes parecem estar estranhamente longe.

Há construções de edifícios que podem ser mais interiores que exteriores.

Há um amor que está dentro de nós e não nas barreiras exteriores.

Há corações que encolhem com o medo.

Há quem deseje mais o sangue do que a carne.

Há na sedução a arte do gesto na ausência da essência do sentimento.
Por Eumesma

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MATÉRIA PUTREFACTA


A nossa carne devia ser considerada demasiado podre para conservar a vida. É um saco de vícios, medos e de interesses, sobre os quais já pairam um enxame de varejeiras sedentas por esse exsudar fétido. Somos demasiado frágeis, quase moribundos para entender o projecto de vida. O invólucro que nos é dado é o material mais frágil que devia ser reconhecido. É limitado ao frio e ao calor, á fome e á doença, á solidão e ao crime, á arma e ao veneno, ao cativeiro e á asfixia. Um monte de ossos coberto de carne. Dura realidade à qual apenas somos resgatados por um rasgo de racionalidade, que sustenta uma falsa convicção. A crença que podemos estar acima de tudo. Que grande desperdício de energia é este em que usamos quase todas as nossas faculdades para “atingir o melhor de nós”, que ás vezes traduzido, não é mais do que “ o pior de nós”. É frágil a queda de cairmos no erro de querermos trepar usando o corpo e diminuindo as faculdades dos outros. Porém, o melhor de nós também está escondido nesse recanto escuro do nosso espírito.

Por Eumesma




Hoje descobri. Acorda tu também e verifica. Acorda a tua melhor parte e comprova tu mesmo. O melhor de nós está quando nos doámos aos outros. Está no nosso olhar de ternura, nos nossos gestos de amor, no nosso abraço de afecto, no nosso sorriso de dádiva, no nosso abraço de solidariedade, na nossa entrega de fraternidade. Se não fores capaz de ver, aprender e tentar executar, mais vale que zumbam já sobre ti milhares de varejeiras, que te consumam o corpo, porque o espírito já não habita nesse corpo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

AFASTAMENTO


Coração pelo quanto suportas.

Não quero falar no passado, mas para acalmar esta confusão tenho de falar nele, nem que seja em monólogo, para tentar compreender o que se passou. Apesar de isso ser insignificante se o nosso desejo presente for diferente. Que nos aconteceu? Estávamos juntos mas tão afastados. Discordantes, enraivecidos e depois o silêncio, a separação. Mas ainda bem para mim, que não foste feliz sem mim e que novamente, a dor te conduziu até mim...

…há uma coisa que me está a deixar maluca e triste. Lembro-me dos teus momentos sérios e de brincadeira, mas esqueci-me do teu corpo. Ele não foi importante, porque descobri que te amo. Agora que amo quero faze-lo por inteiro, e não me consigo lembrar do teu corpo. Estou ansiosa por te ver e por te tentar tocar (deixa-me tocar-te). Tocar-te a pele, tocar-te os lábios, tocar-te o coração. Não sei se vais deixar, mas vou viver mais em ti. Vou tentar não te deixar partir mais sem mim. Quero ir contigo ou quero ter a certeza que me levas… vou tentar me lembrar que de cada vez que esteja triste contigo, te abrace e beije cada vez mais.

Porque odiar é para os pobres em humanidade. Odiar é sentimento fácil e que nada nos oferece. Se tentar te amar sempre mais, essa será a minha recompensa. Por um lado, fortaleço-me como Ser humano, por outro, vou ser decerto recompensada pelo teu amor.
Por Eumesma

PARA TI!

Para ti!

Não nos podemos agarrar
À história do nosso Passado
Nem tentar dele Presente
Fazer!

Se soubermos aprender
Com momentos passados
Que lamentámos,
Conseguiremos com que
Tragam bons frutos
No Futuro!

Há que tentar viver o Presente
Em função do Futuro
E nunca em função do
Passado, mesmo por muito
Recente que ele seja, e por
Muita mágoa que nos tenha
Causado.

Por vezes não importa que
Estejas longe ou perto
O que realmente importa é que
Tu existes para eu sentir a
Tua falta.
Não é que sejas diferente…mas
Ninguém é igual a ti!...

Por Eumesma




SÊ QUIMERA QUE AMA


Que terrível sensação esta, de parecer que só te consigo amar superficialmente. Amar apenas até onde a minha pele consegue alcançar a tua. Mas dentro deste invólucro que cobre o meu Ser, revolvesse algo que não se conforma. Quero amar-te para além de mim e de ti. Seria talvez um Ser bizarro, mas pudesse eu ter os lábios de uma borboleta para alcançar o teu sangue, as presas de um felino para sentir as fibras dos teus músculos, réptil para tomar o teu calor e faro para absorver por inteiro o teu odor. Que estranho Ser seria! Certamente ao apurar todos estes sentidos, acabaria por perder a principal parte: O discernimento. A lucidez de uma certeza. Que amar, muito certamente pode não estar no extremo de te querer e desejar, mas na normalidade de te ter ao meu lado.


Se alguém se quer amado! Não se pode amar a si próprio, porque estará a amar cada parte sua. Se estará a amar parcialmente. Se alguém se quer amado, que se deixe e seja amado por alguém, para ser amado por inteiro.
Por Eumesma

domingo, 7 de outubro de 2007

PASSAGEM


Só tontices…ou talvez não. Quero acreditar que sou um ser positivo e como tal tenho de aceitar todas as palavras que proferi no meu passado, como fazendo parte do meu processo de maturação. Que tinha eu a lamentar? Relativamente pouco…apesar de algum teor de excentricidade e uma ténue loucura muito saudável, vinguei frutuosamente no meu crescimento. De criança egocêntrica, com mania das teorias e com um filão de imaginação infindável, cresci para um ser altruísta, de sangue quente bombeado por um coração sem fundo. No entanto, a natureza tem momentos de doação e momentos de apropriação. Quantos e quantos seres se afogam em tristezas e vazios, devido ao isolamento a que são remetidos.
Por Eumesma

PALAVRAS E SILÊNCIOS...


Não enceto com nenhuma citação porque a minha resposta já se prevê frágil, arrastada, sempre á espera duma manhã diferente. Pelo menos irradias novidade e força. Tomas a tua vida como três dias e duas noites, se não o é, é porque são dois dias e três noites. Queria ser capaz de alterar o que pensas, mas eu não passo de monotonia e fragilidade. A minha vida são muitos dias que se desenrolam e adensam o meu drama. Há momentos em que quero que os meus músculos cardíacos parem de bater. Para só o silêncio ressoar no meu céu interior, como síntese de todos os momentos, que batem uníssono, fruto amadurecido ao calor de cada instante. Perco a noção do silêncio. A minha vida é confusão de gritos onde me perco, em diálogos de surdos. O silêncio é a arte de dizer grandes coisas. A ciência da vida está em fazer silêncio, fechar os olhos e os ouvidos para ouvir. Mas o silêncio não é fuga ao diálogo. Se me calo, é para poder escutar os outros, para amar mais e melhor. No diálogo interpessoal, o mais importante e difícil é escutar. A palavra diz pouco, quanto mais explica mais complica. O silêncio diz mais. Gestos, atitudes, comportamentos são mensageiros de tudo o que sou e possuo, levam aquilo que sou e possuo. Levam aquilo que sou e não só o que digo. Mas ninguém me escuta, ninguém me entende e o silêncio que me habita com luz transforma-se em noites e trevas. Noites de esperança, noites de razão e de sentidos, que no escuro sufoca-me em agonias, sedes e abandonos. Morro para as minhas razões e evidências obscuras. Desculpa se não obedeço, se não respondo ao teu manuscrito, mesmo que tu digas que és pó que o vento leva, eu também quero ser levada, não quero ficar só. Estou sofrendo de solidão e ninguém sente. Há em mim um conflito insanável entre a luz e as trevas. As forças do mal e a luz que se esforça por apagar o rosto fulgurante, que a denuncia e condena. As trevas obscurecem os pensamentos e desejos. Mergulho em desolação e noite escura. Vai-se o gosto de amor, a alegria de viver, agora tudo é lento e turvo, no meu caminho interior. Quebrou-se a paz existente, a certeza das minhas decisões radicais para ficar sozinha no meio das minhas dúvidas, perdida em interrogações. Nada me atrai, nada merece a pena. Invade-me a alma a noite, da razão e dos sentidos, e sinto-me ausente, naufrago dos meus lamentos e gemidos. O monstro que me tenta sufocar, está a conseguir. O ar que ainda respirar, aproveito para o transformar em palavras que te dedico. A vida é mar incerto, agitado pela inconstância dos ventos e marés. Tem horas de tudo e de nada, marés-cheias e marés baixas. Para além de qualquer cabo, entre neblinas, ocultam-se e chamam por ti as descobertas. Há baixios na rota, barcos encalhados, mas não temas. A maré não tarda…também não concluo citando. Apenas te digo, lanço-te uma jangada para não te afundares, mas promete-me que a mim me lanças ao menos uma palha, para fazer inveja ás pedras que vão ao fundo. Não há que ter pena delas porque elas não se afogam, mas eu já me sinto a entrar em reinos de Neptuno e de Ares.
Por Eumesma

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

À PROCURA DA PERSONALIDADE


Houve um dia, houve um tempo, havia um jovem a amadurecer a sua seiva e que dizias: “- eu sou daqueles imbecis que sabe o que quer, mas não tem força de vontade. Sou um tipo que tem consciência dos seus erros, mas deixa-os passar, por se sentir impotente para os combater. No fundo sou um tipo tão complexo, que não se entende a si próprio.” Dias, meses, um ano passou e um dia pediste-me para fazer o teu retrato psicológico. Recuso-me, recuso-me. Até há bem pouco tempo admito que gostava imenso de escarafunchar as personalidades, mas acho que o instantâneo entre aspas atrás referido por tua boca, continua a servir-te como uma luva. Acho que sabes que eu te poderia ter dito muito mais, podia ter enchido este manuscrito de palavrões filosóficos, mas como dizes somos muito complexos. Logo, quem sou eu para dizer quem tu és! Posso é te dizer, não busques quem tu és. Tu esbarraste-as contigo próprio e então saberás de que és feito. Se é que isso já não te aconteceu. Eu saboreio esse embatimento. A que sabe? Amargo. Emaranhado de algo, que nem sabes do que é feito. Desculpa por não te ter dito, por não te dizer, porque talvez nunca te irei dizer, como és. Mas ensinaram-me, ainda há bem pouco tempo que é giro mas perigoso, brincar com as questões de personalidade. Tenho pena em não ter coragem para fazer agora análises psicológicas. Há muito medo em mim. Perdoa-me por ti, perdoa-me pelo mundo.
Por Eumesma

A DIFERENÇA ESTÁ NA PROPORÇÃO


Chamas-me Hipócrita!
Somos todos…
Convencidos, arrogantes, mentirosos, presunçosos, mal intencionados, invejosos, mesquinhos, perversos e tantas outras coisas. Todos somos, só que em proporções diferentes. Por isso, de bom grado te digo, que não te enganas em chamar-me hipócrita. Na realidade…podes-me chamar todos os nomes e atribuir-me todas as designações, que bem entenderes, visto que te baseias numa observação de comportamentos, atitudes e predestinações psíquicas, ou seja, ofereces a razão pela qual atribuis algo a alguém.
A minha introdução não foi tão poeticamente bela, desconcertante ou impetuosa até, em comparação com a que te pertencia. No entanto, também não quero embelezar o que escrevo, só estaria a enganar-me, a trair o meu estilo e a fazer ver o que provavelmente sabes, que não corresponde à minha pessoa. Pessoa essa, que também não é tudo o que imite, nem tudo o que reflecte.
Por Eumesma

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A MOURA DO RIO (parte II)


- De que fala a sua senhora?
- Disparates… Respondeu o senhor Gouveia com um abanar de cabeça.
- Manuel … continuou a senhora – não atravesse o rio. As feiticeiras têm afogado vários homens nele. Dizem que sentem os passos nas margens, daqueles homens que mostram ter mais vitalidade. Logo a seguir lançam-lhe um feitiço e fazem-nos adormecer nas proximidades da água. Quando atingem um sono mais profundo, saem da água em bando, com os seus corpos nus. As mais fortes nas artes de magia negra elevam-nos a vários metros do chão, como se fossem um junco. Depois aproveitando o transe em que mergulharam o homem, elevam-se elas próprias do solo. Reúnem-se em torno dele e banqueteiam-se com os seus fluidos. Quando o corpo está transformado num naco de carne ressequida, deixam-no precipitar-se nas águas. Seguidamente e já revigoradas pelo macabro alimento, mergulham no rio e terminam o processo, sepultando os restos mortais dos homens debaixo de pesados seixos, no fundo do leito do rio, nas zonas mais escuras e profundas das águas. Poucos escapam. Quem revelou o destino destes homens foi um dos poucos que sobreviveu. Um velho que vive no cimo da montanha e que nunca mais se aproximou de águas correntes. Diz que se salvou, unicamente pela distracção da líder e como era demasiado velho não o perseguiram.
- Não sejas tonta mulher. O Manuel já é crescido para não acreditar nessas lenga-lengas. E quanto a esses homens devem-se ter cansado de alimentar tantas bocas em casa e fugido para o estrangeiro ou foram enfeitiçados, mas por algum rabo de saia, que os levou para algum lugarejo. Deixa ir o rapaz se é essa a sua vontade.
Com as suas largas passadas, Manuel alcançou em pouco tempo as margens do rio, que até à poucos minutos nada tinha de anormal e agora tudo parecia ter mudado. Com o nascer da Lua, as sombras nocturnas transfiguravam a paisagem. Brilhos e sons estranhos apareciam e desapareciam a grande velocidade. Manuel atravessou o rio com um sorriso nos lábios. Como é que algumas pessoas tinham tanta imaginação, pensava ele. Já do outro lado da margem, parou um pouco antes de iniciar a subida da montanha, para lançar um último olhar ao rio, que ficava agora para trás.
O presunto que a senhora Gouveia lhe tinha oferecido como petisco fazia-lhe sede. Como diziam os antigos “água corrente, não mata gente”, logo decidiu voltar atrás e molhar a boca com a água do rio. Devido à sua elevada estatura foi obrigado a se prostrar quase por completo, sobre as águas. A água fresca estava a saber bem aos seus lábios, quando sentiu algo mais consistente a tocar-lhes. Era quase a sensação de um beijo. Soergueu um pouco o rosto da superfície da água e julgou ver a face de uma rapariga submersa a alguns centímetros do ponto de onde ele bebia. A corrente e o borbulhar da água e muito provavelmente, as histórias da dona da taberna tinham criado aquela ilusão de óptica, que fez parecer a Manuel avistar uma rapariga muito jovem e bela, de cabelos longos e quase brancos, que pareciam flutuar para a superfície, como se se tratassem das raízes de um salgueiro. Quando voltou a focar o seu olhar, já nada viu.
Quando se tentava levantar foi atacado por uma forte sonolência. As pernas vacilaram sobre um estranho peso em cima dos seus ombros. Enquanto os seus membros inferiores fraquejavam e arrastavam todo o corpo para o solo, um breve rasgo de consciência recordou-lhe as palavras da mulher. Seria aquele o sono das feiticeiras? Não teve tempo para encontrar a resposta, pois o seu corpo tombou duro na margem lamacenta do rio. O homem ficou rijo em posição fetal e profundamente adormecido. De dentro das águas começou a emergir um corpo. Uma rapariga de olhos azuis profundos e de cabelo escorrendo litros de água ao longo do corpo nu, inclinou-se junto ao corpo do homem adormecido. Apoiando as suas mãos geladas no peito quente dele, fez pousar os seus lábios nos deles. Após este gesto começou a sentir-se agitada e concentrando-se esticou ambas as mãos na direcção do corpo do homem. De mãos abertas provocou a levitação do corpo ao nível da sua cintura. Colocando as suas mão sobre o peito dele foi movendo-o ao longo do caminho que o levaria até casa. Ao fim de várias curvas no caminho e muito provavelmente ter percorrido uns dois quilómetros. Depositou o corpo adormecido sobre um tufo de erva alta, na berma de uma encruzilhada. A partir daquele momento deixava-o á sua sorte, enquanto ela regressava, já de corpo ressequido pelo ar da noite, ao leito do rio. Alguns segundos depois a feiticeira protectora era agarrada pelos cabelos.
- Sua traidora. Que andas-te a fazer? Deixas-te escapar o nosso sustento para meio ano de vida. Não penses que nos vamos contentar com a energia absorvida através de beijos, como sabemos que fazes. Amanhã, ou com sorte, depois de amanhã já estarás novamente a definhar. Não sejas tonta ao pensar que os podes salvar. Só estarás a esgotar as tuas energias mais rapidamente.
Enquanto a líder lhe puxava os cabelos, as restantes feiticeiras negras do rio rasgavam o corpo da “protectora”, com as suas garras e lambiam o sangue que saia das feridas provocadas, a fim de mitigar a sua fome. A feiticeira “protectora” tentava cerrar os dentes com toda a força, para não soltar uma lágrima que fosse, para não gritar de dor nem um momento que fosse. As dores que lhe provocavam eram porém dilacerantes.
- Tu não tens poder sobre mim. Eu faço o que bem entender e não penses que te receio. Mata-me até, e o meu espírito irá perseguir-te cada vez que estiveres á superfície da água.
- Não me desafies traidora porque sabes que me desfazia facilmente de ti. Serias repasto para os peixinhos porque a única coisa que eu ia querer do teu corpo era um alvo para os meus escarros.
No momento em que a feiticeira líder disse a última frase, foi atingida por uma cuspidela.
- Eu só precisava de um motivo – disse a líder. À sua volta as águas agitavam-se furiosamente e as servas tinham deixado de atacar o corpo enfraquecido da “protectora”. A líder sustentava agora o corpo moribundo da feiticeira “protectora” pelo pescoço. Do corpo da feiticeira mestra tinham crescido escamas que se eriçavam ao mesmo tempo que os cabelos negros e encaracolados também se elevavam no ar. O rosto da feiticeira mestra atingiu o máximo de cólera. De todas as extremidades dos dedos das mãos e dos pés começaram a emergir estacas afiadas. Com um grito lancinante a feiticeira enraivecida contraiu o seu corpo e quando o distendeu, cravou com toda a força as estacas dos pés no ventre da “protectora” e as das mãos no pescoço. Os locais perfurados ficaram momentaneamente mais lívidos até que o sangue começou a escorrer pelo corpo, atingindo a água. Os olhos da feiticeira perfurada ficaram lívidos e esbugalhados e com a língua presa. Porém – Tu vens comigo! - Expirou ela.
Cada fio de sangue, que tocava na água do rio, transformava-se numa serpente. Em pouco tempo um novelo infernal de répteis rodeava todas as feiticeiras, apanhando-as de surpresa. O número destes animais continuava a aumentar em catadupa. A feiticeira mestra sentiu algo mais frio que a habitual temperatura da água. O corpo daquela que tinha trespassado, estava gelado, mas não tinha sido só isso que tinha acontecido. As serpentes que as tinham envolvido estavam transmutadas sob a forma de cordas petrificadas, que tinham envolvido todo o bando. O grupo de feiticeiras estava agora a sentir os corpos a submergirem sob o peso do que as prendia. Estavam imobilizadas e a sofrer o destino que tinham dado ás suas inúmeras vítimas.
- Onde estou eu? Adormeci aqui? Ia jurar que cai junto ao rio! – Manuel apalpou o corpo para verificar se não continuava a dormir. Quando passou a mão pelo tecido das calças sentiu a lama ressequida. O episódio do rio começou a surgir na sua cabeça, mas parecia tudo um sonho. Dirigiu o olhar para o céu e a Lua tinha cruzado metade da abóbada celeste. Deviam ter passado três horas desde que tinha atravessado o rio. Olhou na direcção do caminho que o levaria a casa, mas não podia deixar de pensar na rapariga do rio. Só havia uma coisa a fazer. Voltar atrás. Sentia-se estranhamente cansado mas a curiosidade dava-lhe forças, de tal modo, que os primeiros mil e quinhentos metros foram calcorreados em passo de corrida. Quando chegou finalmente junto ao rio, o silêncio era absoluto. Aproximou-se o mais possível da água e nada viu.
- Enlouqueci! – Exclamou. Virou as costas, mas na sua mente algo o fez voltar novamente o rosto para a água. Ainda conseguiu ver a estranha rocha que se afundava. A ser engolido pela rocha, viu o rosto que o tinha beijado.
Chorou!
Estava vivo!
Por Eumesma

A MOURA DO RIO (parte I)


Era Segunda, e de acordo com a tradição era dia de Feira Quinzenal. No dia de mercado, as “gentes” das terras altas desciam de todas as vertentes e caminhavam para o centro do vale, onde por razões administrativas se tinha desenvolvido um local para as trocas comerciais. Homens, mulheres, crianças e bestas desciam a serra ainda de madrugada, muito antes do Sol conseguir esboçar a mais ténue luz a nascente do vale. Em molhos, sacos ou sobre carroças depositavam os parcos e pobres víveres que os bravios solos graníticos conseguiam produzir. Dentro das sacas de tecido remendado iam sendo sacudidos vários produtos, como os grãos dourados do milho ou amarelados do centeio e do feijão. O cheiro denunciava cebolas e alhos e a cor verde os restantes vegetais. Os sons do cacarejar de uma galinha deixavam antever a sua possível mudança de dono, tal como o mugir de um pequeno mas gordo vitelo, que ao longo de vários meses fora engordado diariamente com farinha, ou o balir triste e ansioso de um cordeiro, que foi desgarrado do rebanho. Com semblantes sérios, de verdadeiros homens de negócios ou com ligeiros sorrisos, naqueles que tinham naturezas mais descontraídas e confiavam a gestão dos seus bens à sorte, assim iam avançando em direcção à Feira.
Nas proximidades do mercado havia um rio que distava uma milha do local das vendas e era um dos últimos obstáculos a transpor até ao objectivo final. A dimensão desse rio era ainda considerável, pois eram precisas cerca de vinte grandes pedras, assentes sobre o leito fluvial, para permitir a travessia a “pé enxuto”. A velocidade das águas impunha algum respeito e eram poucos os que se atreviam a atravessá-lo a nado, por diversas razões.
Junto a um pequeno afluente, alguns metros depois de executada a travessia, podiam ser avistadas várias jovens, que com a ajuda de pequenos panos ou simplesmente com as areias do fundo do regato, tentavam retirar a poeira ou mesmo o sujo encardido dos pés. A crosta de sujidade era o resultado de muitos quilómetros, dias e caminhos calcorreados. A tarefa de limpeza servia para que após secarem os seus pés, fossem calçadas as socas e assim cumprirem a lei, que impedia as pessoas de andarem descalças nas ruas do mercado. Durante a tarefa de limpeza, que na verdade era mais uma consequência da sua condição de povo pobre, as mesmas raparigas, aproveitavam para coscuvilhar a vida dos seus conhecidos, mas em especial dos vários rapazes, com que pretendiam se cruzar na Feira.
Enquanto sussurravam, davam gargalhadas ou pequenos gritinhos, aproximava-se delas um belo bezerro. Com a pelagem luzidia, era encaminhado por uma corda em torno dos pequenos cornos, que despontavam no topo da cabeça. O animal era ladeado pelo seu legítimo dono, Manuel, um rapaz maduro e forte, que após a viuvez inesperada de sua mãe, tinha com alguma dificuldade empunhado os deveres de manter e sustentar os bens do seu lar. Por onde quer que Manuel passasse, conseguia impor com naturalidade a sua presença, motivada pela sua elevada estatura e pela amplitude que os seus ombros ostentavam. Ainda como elementos auxiliares, era possuidor de um cabelo e olhos negros, que brilhavam como se fossem as pérolas negras mais polidas que alguma vez pudessem ter sido vistas.
Os comentários das raparigas eram inevitáveis ao constatarem o volume de massa muscular, que se estava semi-oculta por baixo da camisa de linho muito alvo, que o rapaz vestia. Com todo o calor que aquele Verão trazia, a camisa do rapaz arregaçada nas mangas e ligeiramente aberta no centro do seu peito, aumentava ainda mais a excitação das raparigas.
- Belo animal – disse uma delas de forma muito ambígua. Com esta observação, a gargalhada foi geral entre as raparigas e os sorrisinhos sarcásticos massivos.
O rapaz manteve o olhar no caminho a seguir e permaneceu de semblante sério ao proferir – mas o teu pai não o pode comprar, com as fracas prendas que tem – com esta frase por parte do rapaz, as reacções fizeram dividir o grupo feminino. Parte ocultou o sorriso e a outra parte ficou com o semblante sisudo.
O sol estava agora no zénite celeste e desta vez exercia o seu poder sobre a vida das pessoas, ditando a hora do almoço. Naquele dia escaldante, as pessoas afastavam-se para as sombras com as suas merendas e os mais endinheirados para junto das tascas. Manuel prendeu o bezerro debaixo de uma pequena árvore e começou a remexer na sacola que trazia a tiracolo. Com a mão no seu interior, sentia a textura de algumas côdeas de pão-milho e a forma de um chouriço de cabaço. Porém não teve tempo para começar o seu manjar, porque o ser mais odioso que conhecia, aproximou-se dele. O senhor Alvarez, aquele que todos sussurravam ser o maior mafioso e trafulha de toda a região. Um usuário dos puros, que fazia cumprir todas as cobranças de créditos pedidos a ele, sem que para isso tivesse qualquer tipo de escrúpulos. Também não era tarefa difícil, pois dizia-se em surdina que engordava as autoridades. Manuel odiava aquele homem. Sabia que aquele ser mesquinho tinha perseguido o seu falecido pai em alguns momentos em que passou dificuldades monetárias. Tal preocupação e pressão consumiram a fraca saúde que restava ao pai de Manuel. Logo após a morte, o rapaz pegou em todo o dinheiro que dispunha para os trabalhos agrícolas desse ano e espalhou-o em cima da mesa da tasca, onde era habitual encontrar Alvarez, a realizar os seus contratos de sangue.
- Caro Manuel, como vai o homem mais rijo e honesto de todas as terras em redor? Belo bezerro que tens ai! Quanto queres por ele?
- Este bezerro não é para as suas mãos, melhor destino tinha ele em definhar debaixo desta árvore a ser engordado pelas suas mãos.
- O menino está cada vez mais insolente, mas no fundo sabe que sem mim é bem capaz de não vender esse belo animal.
- Antes a fome e a miséria. Deixe-me…
- Se assim queres! Cumprimentos à tua mãe.
Manuel odiava aquele gordo seboso, mas reconhecia que o seu controlo nos negócios efectuados, era quase total.
A tarde ia avançando e a sombra que antes era curta, alongava-se agora no sentido contrário ao horizonte. Manuel continuava com o pequeno bovino amarrado à árvore. O animal tinha começado já à algum tempo a dar sinais de ansiedade. Enxotava nervosamente as moscas do seu corpo ou só mesmo movimentava o ar, na ausência dos insectos. O calor tinha sido muito, e quer o homem, quer o animal tinham a sua pele brilhante e húmida pelo suor que lhes escorria. À medida que o tempo ia passando, as pessoas iam dispersando e era notório que uma grande parte delas se encaminhava para as várias saídas do mercado. Manuel começava a ver as possibilidades de venda do animal a diminuir. Elaborava já como ia voltar a subir a serra com o animal, pois a pequena criatura dava mostras de estar esfomeada e cansada. Enquanto reflectia, de alguma forma distraído, não se apercebeu da aproximação do senhor Gouveia, o proprietário da tasca mais frequentada. Todos lançavam rumores e também haviam obviamente apreciações sobre este homem. Com a sua robustez que culminava com uma farta pança, ouvia-se dizer que nunca ninguém o tinha trapaceado e que era mais justo que o juiz. Era uma espécie de Rei Salomão dos mais desfavorecidos de coração justo. Muito por certo foi essa mesma razão, que o fez abeirar de Manuel, pois mal chegou junto do jovem, disse-lhe: - Quanto queres pelo animal? Havia de dar uns belos bifes! O jovem disse-lhe o preço justo de acordo com a compleição do animal.
- É muito caro Manuel. Sabes bem que ninguém te entregará essa quantia. No entanto, em consideração pela memória do teu pai, pelo bom amigo que era, fecho negócio contigo, se na próxima Feira me entregares mais cinco galinhas.
Manuel ficou algum tempo em silêncio, pensando na proposta do homem. Um facto fez acelerar o aperto de mão de ambos, pois Manuel tinha vislumbrado o Alvarez à entrada da tasca do Gouveia, de semblante sarcástico.
- Muito bem senhor Gouveia. Vai ter já amanhã as suas galinhas.
- Calma rapaz. O que não me faltam são galinhas. Não precisas de ter pressa. Anda amarrar o touro, nas traseiras da minha casa e tomar um copo com a minha família.
Manuel só aceitou o convite para se certificar em que condição ficava o animal, pois estava a custar-lhe desfazer-se do bicho. Algumas horas depois de muita conversa na parte traseira da casa do senhor Gouveia, Manuel despertou do seu discurso sobre os trabalhos e negócios da quinta e afirmou ter de partir. Todos os presentes olharam para o céu e constataram que o sol já devia ter desaparecido à mais de uma hora. A mulher do senhor Gouveia tomou a palavra e disse: - Não posso permitir que regresses a casa a estas horas, ainda para mais tendo de atravessar aquele malfadado rio – proferiu a mulher com algum terror no rosto.
- A senhora não tema por mim. Conheço bem os caminhos e não há larápio que me assuste. Tentava assim Manuel tranquilizar a preocupação patente em todo o corpo da senhora.
- Diz-lhe homem. O que dizem por ai sobre aquele rio. Ele que fique cá esta noite e amanhã regressa a sua casa. Não o deixes atravessar aquelas águas.
- Não ligues à minha mulher que se emociona facilmente com tudo o que ouve. Em parte ela tem razão. Fica cá, pois já se faz tarde.
- Marido não o deixe partir. Elas matam-no!