quinta-feira, 8 de novembro de 2007

PÁG3 - GENE


Imagine-se agora um outro cenário. Escolha qualquer um que a nossa sétima arte lhe vá sugerindo, desde os 007 até aos desenhos animados japoneses. Peço que veja paredes obscuras e, porque não, considerar tudo? Isso mesmo! De certo até nasce tudo da escuridão. Mesmo a Phoenix, pássaro da vida e da luz, diz-se ter nascido da escura cinza.
- Relatório?
Acrescento-lhe apenas que a única coisa que se podia ver do cotovelo ao pé de um fraco candeeiro, era uma asquerosa e sinistra cicatriz, resultante de um provável queimadura ou estilhaços vítreos. Para além deste facto e desta palavra, pouco mais se podia adiantar. Não conjecturemos quem era esta personagem. Que não passe pela vossa cabeça que seja o mau da história ou que seja o doutor bonzinho, que teve um acidente laboratorial, como acontece em toda a história científica, quer seja ela boa literatura quer seja a mais reles foleirice.
Ao seu lado estava o dito “cromo” apelidado por Diogo, que bem instalada numa cadeira, lambia um chupa. Verbalizou.
- Creio, no meu entender que ele está pronto. Apesar da cena ainda ser muito leve e pouco reveladora do sentimento humano. Acredito que já conseguiu ultrapassar o choque causado pela morte da única coisa que ainda possuía. Só por pequeno reparo, causou-me mesmo a sensação que lhe deu um ar de riso a minha fatiota. E se me deixar acrescentar algo mais, atrevo-me a dizer que ele demonstra ter bastante sentido de perspicácia. Digamos, com um pouco de ironia da minha parte, que se não fossem os meus dotes de actriz, ter-lhe-ia ficado a cheirar a qualquer marosca.
Aquela coisa à esquina respondeu muito roucamente:
- Podes ir. Deixo o resto ao colega, professor Van Drolen.
Diogo estava novamente debaixo de toldos, porque os constantes chuviscos faziam sentir-se de tempos a tempos.
Enquanto pensava no episódio do qual tinha feito parte, não reparou que entrava numa daquelas lojas de 300. A uma esquina da minúscula e atafulhada loja, encontrava-se uma senhora daquelas a quem os cavalheiros se dirigem nestes modos: -“A menina tem isto ou aquilo?”. Ela olhava de soslaio enquanto limava as unhas, ou direi melhor, as garras do animal mais selvagem.
Ele passeava-se por entre prateleiras em que, basicamente e sem ofensa a tais países, apenas encontramos made in China ou in Spain. Eram de fitas para o cabelo a copos, de bonecos a rebuçados. Tantas bugigangas. Tanto plástico.
Foi num pingente de um objecto que viu conspicuosamente um reflexo de um reflexo.
Começou a pensar que a sua vida surgiu com o objectivo de pertencer ao esquecimento.
Lançou para dentro daquele cristal, que não passava de um vidro, a mensagem de que precisava de uma forma de alimentar as substâncias da alma.
A sua moral estava agora como uma pena, no entanto, há alguns dias, nem com um guindaste a podia erguer. Voltou a virar os olhos profundos novamente para aquela coisa invés da sua consciência.
O dia estava prestes a ceder ao manto da noite. Diogo voltou para casa por uma parte da cidade que até ali não lhe tinha saltado aos olhos. Local que era um emaranhado de despidos troncos que abraçam o céu. O parque, se é que é esse o nome apropriado, era constituído por uma paisagem seminatural e semifabricada. A sensação de leveza que lhe ia no íntimo fazia conseguir num só olhar, pedras, relva, flores.

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