domingo, 28 de outubro de 2007

DICA PARA COMPREENDER (XX)




caros amigos, solteiros, assim-assim, futura carne para tubarão-fêmea e também para os devidamente e legalmente enforcados, aqui vai uma pista para tentar desvendar a obscura natureza do genero feminino. Aquela estranha parte da espécie humana que possui cromossomas sexuais XX.


p.s. Se existir um homem assim tão paciente, como este sr. tubarão para determinar o siginificado do estado de humor de uma mulher, eu caso com ele...

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

DESASSOSSEGO




O desassossego


é como o Homem


que pega na sua enxada


e quanto mais fundo cava,


mais minhocas encontra...
Por Eumesma

domingo, 21 de outubro de 2007

DIVAGAÇÃO


Sem nada que fazer, emersa em preguiça, resolvo te dar algumas palavras descritivas de como decorre este meu ocioso dia. A culpa desta falta de inércia não é só minha, é também consequência do estado meteorológico. Um dia que nasce, e que em nada é presságio do que vai dispor. A tarde começa neste fim de estio e o ar é o expoente máximo de saúde. Ao contrário dos dias anteriores, uma frescura saborosa é constantemente aspirada. O sol lança raios que aquecem o sangue mas sem o fazerem borbulhar. Céu e Terra tocam-se e trocam cor branca. Tudo é limpo, tudo é alvura. A copa das árvores revitalizou-se da sua crestação infligida recentemente, porque por muito maltratada que seja pela luz, terá sempre um perdão. Se eu desejasse ter ausência de som, este também era um daqueles dias que proporcionava isso mesmo. Se eu não quisesse ruído, não havia ruído. Haviam sons mudos.
Fico olhando as montanhas, procurando na sua forma a forma com que te desejo…sólido e firme. Sem nada que te demova, para que também nada me atinja…
Estou a imaginar-te aí longe, onde nada do que é físico em mim pode atingir, mas tudo quanto é incorpóreo te envolve. Tuas conexões nervosas, teu pulsar, teu respirar, teu exsudar, tudo o que a tua existência provoca é motivo de revolução em mim. E tu aí tão longe…
Afinal este dia é capaz de não ser assim tão graciosamente belo. Adianto mais, é me cruel e zombador. Mostra-me o que podia desfrutar contigo, mas retira-me o principal. A tua presença.
Que vaga que fico, em que muda me torno, qual pássaro desprovido de liberdade.

Dia corre velozmente e o amanhã também…

Por Eumesma

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

HÁ DO VERBO HAVER


Há por ai muitos imbecis acomodados.

Há muito que penso nos porquês da solidão e cheguei á exaustão das possíveis razões.

Há muitas pessoas mortas em vida.

Há sonhos que podem ser pequenas coisas, que por vezes parecem estar estranhamente longe.

Há construções de edifícios que podem ser mais interiores que exteriores.

Há um amor que está dentro de nós e não nas barreiras exteriores.

Há corações que encolhem com o medo.

Há quem deseje mais o sangue do que a carne.

Há na sedução a arte do gesto na ausência da essência do sentimento.
Por Eumesma

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MATÉRIA PUTREFACTA


A nossa carne devia ser considerada demasiado podre para conservar a vida. É um saco de vícios, medos e de interesses, sobre os quais já pairam um enxame de varejeiras sedentas por esse exsudar fétido. Somos demasiado frágeis, quase moribundos para entender o projecto de vida. O invólucro que nos é dado é o material mais frágil que devia ser reconhecido. É limitado ao frio e ao calor, á fome e á doença, á solidão e ao crime, á arma e ao veneno, ao cativeiro e á asfixia. Um monte de ossos coberto de carne. Dura realidade à qual apenas somos resgatados por um rasgo de racionalidade, que sustenta uma falsa convicção. A crença que podemos estar acima de tudo. Que grande desperdício de energia é este em que usamos quase todas as nossas faculdades para “atingir o melhor de nós”, que ás vezes traduzido, não é mais do que “ o pior de nós”. É frágil a queda de cairmos no erro de querermos trepar usando o corpo e diminuindo as faculdades dos outros. Porém, o melhor de nós também está escondido nesse recanto escuro do nosso espírito.

Por Eumesma




Hoje descobri. Acorda tu também e verifica. Acorda a tua melhor parte e comprova tu mesmo. O melhor de nós está quando nos doámos aos outros. Está no nosso olhar de ternura, nos nossos gestos de amor, no nosso abraço de afecto, no nosso sorriso de dádiva, no nosso abraço de solidariedade, na nossa entrega de fraternidade. Se não fores capaz de ver, aprender e tentar executar, mais vale que zumbam já sobre ti milhares de varejeiras, que te consumam o corpo, porque o espírito já não habita nesse corpo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

AFASTAMENTO


Coração pelo quanto suportas.

Não quero falar no passado, mas para acalmar esta confusão tenho de falar nele, nem que seja em monólogo, para tentar compreender o que se passou. Apesar de isso ser insignificante se o nosso desejo presente for diferente. Que nos aconteceu? Estávamos juntos mas tão afastados. Discordantes, enraivecidos e depois o silêncio, a separação. Mas ainda bem para mim, que não foste feliz sem mim e que novamente, a dor te conduziu até mim...

…há uma coisa que me está a deixar maluca e triste. Lembro-me dos teus momentos sérios e de brincadeira, mas esqueci-me do teu corpo. Ele não foi importante, porque descobri que te amo. Agora que amo quero faze-lo por inteiro, e não me consigo lembrar do teu corpo. Estou ansiosa por te ver e por te tentar tocar (deixa-me tocar-te). Tocar-te a pele, tocar-te os lábios, tocar-te o coração. Não sei se vais deixar, mas vou viver mais em ti. Vou tentar não te deixar partir mais sem mim. Quero ir contigo ou quero ter a certeza que me levas… vou tentar me lembrar que de cada vez que esteja triste contigo, te abrace e beije cada vez mais.

Porque odiar é para os pobres em humanidade. Odiar é sentimento fácil e que nada nos oferece. Se tentar te amar sempre mais, essa será a minha recompensa. Por um lado, fortaleço-me como Ser humano, por outro, vou ser decerto recompensada pelo teu amor.
Por Eumesma

PARA TI!

Para ti!

Não nos podemos agarrar
À história do nosso Passado
Nem tentar dele Presente
Fazer!

Se soubermos aprender
Com momentos passados
Que lamentámos,
Conseguiremos com que
Tragam bons frutos
No Futuro!

Há que tentar viver o Presente
Em função do Futuro
E nunca em função do
Passado, mesmo por muito
Recente que ele seja, e por
Muita mágoa que nos tenha
Causado.

Por vezes não importa que
Estejas longe ou perto
O que realmente importa é que
Tu existes para eu sentir a
Tua falta.
Não é que sejas diferente…mas
Ninguém é igual a ti!...

Por Eumesma




SÊ QUIMERA QUE AMA


Que terrível sensação esta, de parecer que só te consigo amar superficialmente. Amar apenas até onde a minha pele consegue alcançar a tua. Mas dentro deste invólucro que cobre o meu Ser, revolvesse algo que não se conforma. Quero amar-te para além de mim e de ti. Seria talvez um Ser bizarro, mas pudesse eu ter os lábios de uma borboleta para alcançar o teu sangue, as presas de um felino para sentir as fibras dos teus músculos, réptil para tomar o teu calor e faro para absorver por inteiro o teu odor. Que estranho Ser seria! Certamente ao apurar todos estes sentidos, acabaria por perder a principal parte: O discernimento. A lucidez de uma certeza. Que amar, muito certamente pode não estar no extremo de te querer e desejar, mas na normalidade de te ter ao meu lado.


Se alguém se quer amado! Não se pode amar a si próprio, porque estará a amar cada parte sua. Se estará a amar parcialmente. Se alguém se quer amado, que se deixe e seja amado por alguém, para ser amado por inteiro.
Por Eumesma

domingo, 7 de outubro de 2007

PASSAGEM


Só tontices…ou talvez não. Quero acreditar que sou um ser positivo e como tal tenho de aceitar todas as palavras que proferi no meu passado, como fazendo parte do meu processo de maturação. Que tinha eu a lamentar? Relativamente pouco…apesar de algum teor de excentricidade e uma ténue loucura muito saudável, vinguei frutuosamente no meu crescimento. De criança egocêntrica, com mania das teorias e com um filão de imaginação infindável, cresci para um ser altruísta, de sangue quente bombeado por um coração sem fundo. No entanto, a natureza tem momentos de doação e momentos de apropriação. Quantos e quantos seres se afogam em tristezas e vazios, devido ao isolamento a que são remetidos.
Por Eumesma

PALAVRAS E SILÊNCIOS...


Não enceto com nenhuma citação porque a minha resposta já se prevê frágil, arrastada, sempre á espera duma manhã diferente. Pelo menos irradias novidade e força. Tomas a tua vida como três dias e duas noites, se não o é, é porque são dois dias e três noites. Queria ser capaz de alterar o que pensas, mas eu não passo de monotonia e fragilidade. A minha vida são muitos dias que se desenrolam e adensam o meu drama. Há momentos em que quero que os meus músculos cardíacos parem de bater. Para só o silêncio ressoar no meu céu interior, como síntese de todos os momentos, que batem uníssono, fruto amadurecido ao calor de cada instante. Perco a noção do silêncio. A minha vida é confusão de gritos onde me perco, em diálogos de surdos. O silêncio é a arte de dizer grandes coisas. A ciência da vida está em fazer silêncio, fechar os olhos e os ouvidos para ouvir. Mas o silêncio não é fuga ao diálogo. Se me calo, é para poder escutar os outros, para amar mais e melhor. No diálogo interpessoal, o mais importante e difícil é escutar. A palavra diz pouco, quanto mais explica mais complica. O silêncio diz mais. Gestos, atitudes, comportamentos são mensageiros de tudo o que sou e possuo, levam aquilo que sou e possuo. Levam aquilo que sou e não só o que digo. Mas ninguém me escuta, ninguém me entende e o silêncio que me habita com luz transforma-se em noites e trevas. Noites de esperança, noites de razão e de sentidos, que no escuro sufoca-me em agonias, sedes e abandonos. Morro para as minhas razões e evidências obscuras. Desculpa se não obedeço, se não respondo ao teu manuscrito, mesmo que tu digas que és pó que o vento leva, eu também quero ser levada, não quero ficar só. Estou sofrendo de solidão e ninguém sente. Há em mim um conflito insanável entre a luz e as trevas. As forças do mal e a luz que se esforça por apagar o rosto fulgurante, que a denuncia e condena. As trevas obscurecem os pensamentos e desejos. Mergulho em desolação e noite escura. Vai-se o gosto de amor, a alegria de viver, agora tudo é lento e turvo, no meu caminho interior. Quebrou-se a paz existente, a certeza das minhas decisões radicais para ficar sozinha no meio das minhas dúvidas, perdida em interrogações. Nada me atrai, nada merece a pena. Invade-me a alma a noite, da razão e dos sentidos, e sinto-me ausente, naufrago dos meus lamentos e gemidos. O monstro que me tenta sufocar, está a conseguir. O ar que ainda respirar, aproveito para o transformar em palavras que te dedico. A vida é mar incerto, agitado pela inconstância dos ventos e marés. Tem horas de tudo e de nada, marés-cheias e marés baixas. Para além de qualquer cabo, entre neblinas, ocultam-se e chamam por ti as descobertas. Há baixios na rota, barcos encalhados, mas não temas. A maré não tarda…também não concluo citando. Apenas te digo, lanço-te uma jangada para não te afundares, mas promete-me que a mim me lanças ao menos uma palha, para fazer inveja ás pedras que vão ao fundo. Não há que ter pena delas porque elas não se afogam, mas eu já me sinto a entrar em reinos de Neptuno e de Ares.
Por Eumesma

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

À PROCURA DA PERSONALIDADE


Houve um dia, houve um tempo, havia um jovem a amadurecer a sua seiva e que dizias: “- eu sou daqueles imbecis que sabe o que quer, mas não tem força de vontade. Sou um tipo que tem consciência dos seus erros, mas deixa-os passar, por se sentir impotente para os combater. No fundo sou um tipo tão complexo, que não se entende a si próprio.” Dias, meses, um ano passou e um dia pediste-me para fazer o teu retrato psicológico. Recuso-me, recuso-me. Até há bem pouco tempo admito que gostava imenso de escarafunchar as personalidades, mas acho que o instantâneo entre aspas atrás referido por tua boca, continua a servir-te como uma luva. Acho que sabes que eu te poderia ter dito muito mais, podia ter enchido este manuscrito de palavrões filosóficos, mas como dizes somos muito complexos. Logo, quem sou eu para dizer quem tu és! Posso é te dizer, não busques quem tu és. Tu esbarraste-as contigo próprio e então saberás de que és feito. Se é que isso já não te aconteceu. Eu saboreio esse embatimento. A que sabe? Amargo. Emaranhado de algo, que nem sabes do que é feito. Desculpa por não te ter dito, por não te dizer, porque talvez nunca te irei dizer, como és. Mas ensinaram-me, ainda há bem pouco tempo que é giro mas perigoso, brincar com as questões de personalidade. Tenho pena em não ter coragem para fazer agora análises psicológicas. Há muito medo em mim. Perdoa-me por ti, perdoa-me pelo mundo.
Por Eumesma

A DIFERENÇA ESTÁ NA PROPORÇÃO


Chamas-me Hipócrita!
Somos todos…
Convencidos, arrogantes, mentirosos, presunçosos, mal intencionados, invejosos, mesquinhos, perversos e tantas outras coisas. Todos somos, só que em proporções diferentes. Por isso, de bom grado te digo, que não te enganas em chamar-me hipócrita. Na realidade…podes-me chamar todos os nomes e atribuir-me todas as designações, que bem entenderes, visto que te baseias numa observação de comportamentos, atitudes e predestinações psíquicas, ou seja, ofereces a razão pela qual atribuis algo a alguém.
A minha introdução não foi tão poeticamente bela, desconcertante ou impetuosa até, em comparação com a que te pertencia. No entanto, também não quero embelezar o que escrevo, só estaria a enganar-me, a trair o meu estilo e a fazer ver o que provavelmente sabes, que não corresponde à minha pessoa. Pessoa essa, que também não é tudo o que imite, nem tudo o que reflecte.
Por Eumesma

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A MOURA DO RIO (parte II)


- De que fala a sua senhora?
- Disparates… Respondeu o senhor Gouveia com um abanar de cabeça.
- Manuel … continuou a senhora – não atravesse o rio. As feiticeiras têm afogado vários homens nele. Dizem que sentem os passos nas margens, daqueles homens que mostram ter mais vitalidade. Logo a seguir lançam-lhe um feitiço e fazem-nos adormecer nas proximidades da água. Quando atingem um sono mais profundo, saem da água em bando, com os seus corpos nus. As mais fortes nas artes de magia negra elevam-nos a vários metros do chão, como se fossem um junco. Depois aproveitando o transe em que mergulharam o homem, elevam-se elas próprias do solo. Reúnem-se em torno dele e banqueteiam-se com os seus fluidos. Quando o corpo está transformado num naco de carne ressequida, deixam-no precipitar-se nas águas. Seguidamente e já revigoradas pelo macabro alimento, mergulham no rio e terminam o processo, sepultando os restos mortais dos homens debaixo de pesados seixos, no fundo do leito do rio, nas zonas mais escuras e profundas das águas. Poucos escapam. Quem revelou o destino destes homens foi um dos poucos que sobreviveu. Um velho que vive no cimo da montanha e que nunca mais se aproximou de águas correntes. Diz que se salvou, unicamente pela distracção da líder e como era demasiado velho não o perseguiram.
- Não sejas tonta mulher. O Manuel já é crescido para não acreditar nessas lenga-lengas. E quanto a esses homens devem-se ter cansado de alimentar tantas bocas em casa e fugido para o estrangeiro ou foram enfeitiçados, mas por algum rabo de saia, que os levou para algum lugarejo. Deixa ir o rapaz se é essa a sua vontade.
Com as suas largas passadas, Manuel alcançou em pouco tempo as margens do rio, que até à poucos minutos nada tinha de anormal e agora tudo parecia ter mudado. Com o nascer da Lua, as sombras nocturnas transfiguravam a paisagem. Brilhos e sons estranhos apareciam e desapareciam a grande velocidade. Manuel atravessou o rio com um sorriso nos lábios. Como é que algumas pessoas tinham tanta imaginação, pensava ele. Já do outro lado da margem, parou um pouco antes de iniciar a subida da montanha, para lançar um último olhar ao rio, que ficava agora para trás.
O presunto que a senhora Gouveia lhe tinha oferecido como petisco fazia-lhe sede. Como diziam os antigos “água corrente, não mata gente”, logo decidiu voltar atrás e molhar a boca com a água do rio. Devido à sua elevada estatura foi obrigado a se prostrar quase por completo, sobre as águas. A água fresca estava a saber bem aos seus lábios, quando sentiu algo mais consistente a tocar-lhes. Era quase a sensação de um beijo. Soergueu um pouco o rosto da superfície da água e julgou ver a face de uma rapariga submersa a alguns centímetros do ponto de onde ele bebia. A corrente e o borbulhar da água e muito provavelmente, as histórias da dona da taberna tinham criado aquela ilusão de óptica, que fez parecer a Manuel avistar uma rapariga muito jovem e bela, de cabelos longos e quase brancos, que pareciam flutuar para a superfície, como se se tratassem das raízes de um salgueiro. Quando voltou a focar o seu olhar, já nada viu.
Quando se tentava levantar foi atacado por uma forte sonolência. As pernas vacilaram sobre um estranho peso em cima dos seus ombros. Enquanto os seus membros inferiores fraquejavam e arrastavam todo o corpo para o solo, um breve rasgo de consciência recordou-lhe as palavras da mulher. Seria aquele o sono das feiticeiras? Não teve tempo para encontrar a resposta, pois o seu corpo tombou duro na margem lamacenta do rio. O homem ficou rijo em posição fetal e profundamente adormecido. De dentro das águas começou a emergir um corpo. Uma rapariga de olhos azuis profundos e de cabelo escorrendo litros de água ao longo do corpo nu, inclinou-se junto ao corpo do homem adormecido. Apoiando as suas mãos geladas no peito quente dele, fez pousar os seus lábios nos deles. Após este gesto começou a sentir-se agitada e concentrando-se esticou ambas as mãos na direcção do corpo do homem. De mãos abertas provocou a levitação do corpo ao nível da sua cintura. Colocando as suas mão sobre o peito dele foi movendo-o ao longo do caminho que o levaria até casa. Ao fim de várias curvas no caminho e muito provavelmente ter percorrido uns dois quilómetros. Depositou o corpo adormecido sobre um tufo de erva alta, na berma de uma encruzilhada. A partir daquele momento deixava-o á sua sorte, enquanto ela regressava, já de corpo ressequido pelo ar da noite, ao leito do rio. Alguns segundos depois a feiticeira protectora era agarrada pelos cabelos.
- Sua traidora. Que andas-te a fazer? Deixas-te escapar o nosso sustento para meio ano de vida. Não penses que nos vamos contentar com a energia absorvida através de beijos, como sabemos que fazes. Amanhã, ou com sorte, depois de amanhã já estarás novamente a definhar. Não sejas tonta ao pensar que os podes salvar. Só estarás a esgotar as tuas energias mais rapidamente.
Enquanto a líder lhe puxava os cabelos, as restantes feiticeiras negras do rio rasgavam o corpo da “protectora”, com as suas garras e lambiam o sangue que saia das feridas provocadas, a fim de mitigar a sua fome. A feiticeira “protectora” tentava cerrar os dentes com toda a força, para não soltar uma lágrima que fosse, para não gritar de dor nem um momento que fosse. As dores que lhe provocavam eram porém dilacerantes.
- Tu não tens poder sobre mim. Eu faço o que bem entender e não penses que te receio. Mata-me até, e o meu espírito irá perseguir-te cada vez que estiveres á superfície da água.
- Não me desafies traidora porque sabes que me desfazia facilmente de ti. Serias repasto para os peixinhos porque a única coisa que eu ia querer do teu corpo era um alvo para os meus escarros.
No momento em que a feiticeira líder disse a última frase, foi atingida por uma cuspidela.
- Eu só precisava de um motivo – disse a líder. À sua volta as águas agitavam-se furiosamente e as servas tinham deixado de atacar o corpo enfraquecido da “protectora”. A líder sustentava agora o corpo moribundo da feiticeira “protectora” pelo pescoço. Do corpo da feiticeira mestra tinham crescido escamas que se eriçavam ao mesmo tempo que os cabelos negros e encaracolados também se elevavam no ar. O rosto da feiticeira mestra atingiu o máximo de cólera. De todas as extremidades dos dedos das mãos e dos pés começaram a emergir estacas afiadas. Com um grito lancinante a feiticeira enraivecida contraiu o seu corpo e quando o distendeu, cravou com toda a força as estacas dos pés no ventre da “protectora” e as das mãos no pescoço. Os locais perfurados ficaram momentaneamente mais lívidos até que o sangue começou a escorrer pelo corpo, atingindo a água. Os olhos da feiticeira perfurada ficaram lívidos e esbugalhados e com a língua presa. Porém – Tu vens comigo! - Expirou ela.
Cada fio de sangue, que tocava na água do rio, transformava-se numa serpente. Em pouco tempo um novelo infernal de répteis rodeava todas as feiticeiras, apanhando-as de surpresa. O número destes animais continuava a aumentar em catadupa. A feiticeira mestra sentiu algo mais frio que a habitual temperatura da água. O corpo daquela que tinha trespassado, estava gelado, mas não tinha sido só isso que tinha acontecido. As serpentes que as tinham envolvido estavam transmutadas sob a forma de cordas petrificadas, que tinham envolvido todo o bando. O grupo de feiticeiras estava agora a sentir os corpos a submergirem sob o peso do que as prendia. Estavam imobilizadas e a sofrer o destino que tinham dado ás suas inúmeras vítimas.
- Onde estou eu? Adormeci aqui? Ia jurar que cai junto ao rio! – Manuel apalpou o corpo para verificar se não continuava a dormir. Quando passou a mão pelo tecido das calças sentiu a lama ressequida. O episódio do rio começou a surgir na sua cabeça, mas parecia tudo um sonho. Dirigiu o olhar para o céu e a Lua tinha cruzado metade da abóbada celeste. Deviam ter passado três horas desde que tinha atravessado o rio. Olhou na direcção do caminho que o levaria a casa, mas não podia deixar de pensar na rapariga do rio. Só havia uma coisa a fazer. Voltar atrás. Sentia-se estranhamente cansado mas a curiosidade dava-lhe forças, de tal modo, que os primeiros mil e quinhentos metros foram calcorreados em passo de corrida. Quando chegou finalmente junto ao rio, o silêncio era absoluto. Aproximou-se o mais possível da água e nada viu.
- Enlouqueci! – Exclamou. Virou as costas, mas na sua mente algo o fez voltar novamente o rosto para a água. Ainda conseguiu ver a estranha rocha que se afundava. A ser engolido pela rocha, viu o rosto que o tinha beijado.
Chorou!
Estava vivo!
Por Eumesma

A MOURA DO RIO (parte I)


Era Segunda, e de acordo com a tradição era dia de Feira Quinzenal. No dia de mercado, as “gentes” das terras altas desciam de todas as vertentes e caminhavam para o centro do vale, onde por razões administrativas se tinha desenvolvido um local para as trocas comerciais. Homens, mulheres, crianças e bestas desciam a serra ainda de madrugada, muito antes do Sol conseguir esboçar a mais ténue luz a nascente do vale. Em molhos, sacos ou sobre carroças depositavam os parcos e pobres víveres que os bravios solos graníticos conseguiam produzir. Dentro das sacas de tecido remendado iam sendo sacudidos vários produtos, como os grãos dourados do milho ou amarelados do centeio e do feijão. O cheiro denunciava cebolas e alhos e a cor verde os restantes vegetais. Os sons do cacarejar de uma galinha deixavam antever a sua possível mudança de dono, tal como o mugir de um pequeno mas gordo vitelo, que ao longo de vários meses fora engordado diariamente com farinha, ou o balir triste e ansioso de um cordeiro, que foi desgarrado do rebanho. Com semblantes sérios, de verdadeiros homens de negócios ou com ligeiros sorrisos, naqueles que tinham naturezas mais descontraídas e confiavam a gestão dos seus bens à sorte, assim iam avançando em direcção à Feira.
Nas proximidades do mercado havia um rio que distava uma milha do local das vendas e era um dos últimos obstáculos a transpor até ao objectivo final. A dimensão desse rio era ainda considerável, pois eram precisas cerca de vinte grandes pedras, assentes sobre o leito fluvial, para permitir a travessia a “pé enxuto”. A velocidade das águas impunha algum respeito e eram poucos os que se atreviam a atravessá-lo a nado, por diversas razões.
Junto a um pequeno afluente, alguns metros depois de executada a travessia, podiam ser avistadas várias jovens, que com a ajuda de pequenos panos ou simplesmente com as areias do fundo do regato, tentavam retirar a poeira ou mesmo o sujo encardido dos pés. A crosta de sujidade era o resultado de muitos quilómetros, dias e caminhos calcorreados. A tarefa de limpeza servia para que após secarem os seus pés, fossem calçadas as socas e assim cumprirem a lei, que impedia as pessoas de andarem descalças nas ruas do mercado. Durante a tarefa de limpeza, que na verdade era mais uma consequência da sua condição de povo pobre, as mesmas raparigas, aproveitavam para coscuvilhar a vida dos seus conhecidos, mas em especial dos vários rapazes, com que pretendiam se cruzar na Feira.
Enquanto sussurravam, davam gargalhadas ou pequenos gritinhos, aproximava-se delas um belo bezerro. Com a pelagem luzidia, era encaminhado por uma corda em torno dos pequenos cornos, que despontavam no topo da cabeça. O animal era ladeado pelo seu legítimo dono, Manuel, um rapaz maduro e forte, que após a viuvez inesperada de sua mãe, tinha com alguma dificuldade empunhado os deveres de manter e sustentar os bens do seu lar. Por onde quer que Manuel passasse, conseguia impor com naturalidade a sua presença, motivada pela sua elevada estatura e pela amplitude que os seus ombros ostentavam. Ainda como elementos auxiliares, era possuidor de um cabelo e olhos negros, que brilhavam como se fossem as pérolas negras mais polidas que alguma vez pudessem ter sido vistas.
Os comentários das raparigas eram inevitáveis ao constatarem o volume de massa muscular, que se estava semi-oculta por baixo da camisa de linho muito alvo, que o rapaz vestia. Com todo o calor que aquele Verão trazia, a camisa do rapaz arregaçada nas mangas e ligeiramente aberta no centro do seu peito, aumentava ainda mais a excitação das raparigas.
- Belo animal – disse uma delas de forma muito ambígua. Com esta observação, a gargalhada foi geral entre as raparigas e os sorrisinhos sarcásticos massivos.
O rapaz manteve o olhar no caminho a seguir e permaneceu de semblante sério ao proferir – mas o teu pai não o pode comprar, com as fracas prendas que tem – com esta frase por parte do rapaz, as reacções fizeram dividir o grupo feminino. Parte ocultou o sorriso e a outra parte ficou com o semblante sisudo.
O sol estava agora no zénite celeste e desta vez exercia o seu poder sobre a vida das pessoas, ditando a hora do almoço. Naquele dia escaldante, as pessoas afastavam-se para as sombras com as suas merendas e os mais endinheirados para junto das tascas. Manuel prendeu o bezerro debaixo de uma pequena árvore e começou a remexer na sacola que trazia a tiracolo. Com a mão no seu interior, sentia a textura de algumas côdeas de pão-milho e a forma de um chouriço de cabaço. Porém não teve tempo para começar o seu manjar, porque o ser mais odioso que conhecia, aproximou-se dele. O senhor Alvarez, aquele que todos sussurravam ser o maior mafioso e trafulha de toda a região. Um usuário dos puros, que fazia cumprir todas as cobranças de créditos pedidos a ele, sem que para isso tivesse qualquer tipo de escrúpulos. Também não era tarefa difícil, pois dizia-se em surdina que engordava as autoridades. Manuel odiava aquele homem. Sabia que aquele ser mesquinho tinha perseguido o seu falecido pai em alguns momentos em que passou dificuldades monetárias. Tal preocupação e pressão consumiram a fraca saúde que restava ao pai de Manuel. Logo após a morte, o rapaz pegou em todo o dinheiro que dispunha para os trabalhos agrícolas desse ano e espalhou-o em cima da mesa da tasca, onde era habitual encontrar Alvarez, a realizar os seus contratos de sangue.
- Caro Manuel, como vai o homem mais rijo e honesto de todas as terras em redor? Belo bezerro que tens ai! Quanto queres por ele?
- Este bezerro não é para as suas mãos, melhor destino tinha ele em definhar debaixo desta árvore a ser engordado pelas suas mãos.
- O menino está cada vez mais insolente, mas no fundo sabe que sem mim é bem capaz de não vender esse belo animal.
- Antes a fome e a miséria. Deixe-me…
- Se assim queres! Cumprimentos à tua mãe.
Manuel odiava aquele gordo seboso, mas reconhecia que o seu controlo nos negócios efectuados, era quase total.
A tarde ia avançando e a sombra que antes era curta, alongava-se agora no sentido contrário ao horizonte. Manuel continuava com o pequeno bovino amarrado à árvore. O animal tinha começado já à algum tempo a dar sinais de ansiedade. Enxotava nervosamente as moscas do seu corpo ou só mesmo movimentava o ar, na ausência dos insectos. O calor tinha sido muito, e quer o homem, quer o animal tinham a sua pele brilhante e húmida pelo suor que lhes escorria. À medida que o tempo ia passando, as pessoas iam dispersando e era notório que uma grande parte delas se encaminhava para as várias saídas do mercado. Manuel começava a ver as possibilidades de venda do animal a diminuir. Elaborava já como ia voltar a subir a serra com o animal, pois a pequena criatura dava mostras de estar esfomeada e cansada. Enquanto reflectia, de alguma forma distraído, não se apercebeu da aproximação do senhor Gouveia, o proprietário da tasca mais frequentada. Todos lançavam rumores e também haviam obviamente apreciações sobre este homem. Com a sua robustez que culminava com uma farta pança, ouvia-se dizer que nunca ninguém o tinha trapaceado e que era mais justo que o juiz. Era uma espécie de Rei Salomão dos mais desfavorecidos de coração justo. Muito por certo foi essa mesma razão, que o fez abeirar de Manuel, pois mal chegou junto do jovem, disse-lhe: - Quanto queres pelo animal? Havia de dar uns belos bifes! O jovem disse-lhe o preço justo de acordo com a compleição do animal.
- É muito caro Manuel. Sabes bem que ninguém te entregará essa quantia. No entanto, em consideração pela memória do teu pai, pelo bom amigo que era, fecho negócio contigo, se na próxima Feira me entregares mais cinco galinhas.
Manuel ficou algum tempo em silêncio, pensando na proposta do homem. Um facto fez acelerar o aperto de mão de ambos, pois Manuel tinha vislumbrado o Alvarez à entrada da tasca do Gouveia, de semblante sarcástico.
- Muito bem senhor Gouveia. Vai ter já amanhã as suas galinhas.
- Calma rapaz. O que não me faltam são galinhas. Não precisas de ter pressa. Anda amarrar o touro, nas traseiras da minha casa e tomar um copo com a minha família.
Manuel só aceitou o convite para se certificar em que condição ficava o animal, pois estava a custar-lhe desfazer-se do bicho. Algumas horas depois de muita conversa na parte traseira da casa do senhor Gouveia, Manuel despertou do seu discurso sobre os trabalhos e negócios da quinta e afirmou ter de partir. Todos os presentes olharam para o céu e constataram que o sol já devia ter desaparecido à mais de uma hora. A mulher do senhor Gouveia tomou a palavra e disse: - Não posso permitir que regresses a casa a estas horas, ainda para mais tendo de atravessar aquele malfadado rio – proferiu a mulher com algum terror no rosto.
- A senhora não tema por mim. Conheço bem os caminhos e não há larápio que me assuste. Tentava assim Manuel tranquilizar a preocupação patente em todo o corpo da senhora.
- Diz-lhe homem. O que dizem por ai sobre aquele rio. Ele que fique cá esta noite e amanhã regressa a sua casa. Não o deixes atravessar aquelas águas.
- Não ligues à minha mulher que se emociona facilmente com tudo o que ouve. Em parte ela tem razão. Fica cá, pois já se faz tarde.
- Marido não o deixe partir. Elas matam-no!

CAP. "A TEMPESTADE"


O som dos trovões era ensurdecedor. O céu envolto em trevas era constantemente rasgado de alto a baixo por raios que desferiam violentas chicotadas na abóbada celeste. Era impossível, alguém em seus quartos conseguir estar a dormir, no entanto, não haviam sinais de presença humana, apesar de ela estar lá. Apenas se ouviam os ruídos típicos de um casarão antigo que se contorcia e gemia com a violência da intempérie. Os diferentes degraus da escadaria, que dava acesso ao primeiro andar rangiam como um piano a ser martelado. O vento arremessava os galhos de velhas e decrépitas árvores contra os vidros baços da pequena janela.
Madalena não tinha medo de trovoadas. Como alguém que tinha estudado ciências, compreendia o fenómeno, mas não deixava de lhe ter um certo respeito. Neste momento da sua vida, uma grande trovoada como a que se verificava, era bem capaz de ser a única força que lhe fazia frente, que tinha valor como autoridade…

… Ainda não estava a compreender muito bem o que estava a fazer. Eu tinha o meu corpo seco e quente, porque havia de alterar essa condição. Ele era adulto, devia ter consciência do que estava a fazer. Porém, nem sempre me parecia adulto, mas quase e unicamente me parecia louco. Algo em mim me impelia para ir em seu auxílio, ou seria eu própria que me queria lançar para o meio da tempestade e tinha aninhada em mim apenas a cobardia. Quem sabe até, ele não tinha apenas só a coragem do seu lado, mas também a honestidade para consigo próprio. Olhei pela janela e o vulto dele afastava-se lentamente como se estivesse possuído, de tempos a tempos lançava gritos lancinantes num tom grave, como que bradando aos céus. Gesticulava ao mesmo tempo, executando gestos que eu não conseguia identificar pela penumbra. Eu tinha de ir atrás dele, mas a questão continuava lá. Porquê? Então ocorreu-me uma outra dúvida. Se eu o ouvia, se eu há muito tinha pressentido a sua saída da casa e a violência com que ele bateu a porta, porque seria que os restantes poucos funcionários da casa, tão fieis á mãe dele, não o tinham impedido de avançar para o centro daquela tormenta. Porque permanecia o silêncio no interior da casa. Eu tinha de ir. Tapei o meu corpo com o roupão de seda branca, que estava caído no chão e avancei nas pontas dos dedos ao longo do corredor. Enquanto me encaminhava para a porta nesta forma, pensava no quanto estúpida eu estava a ser. Qual era o problema de fazer barulho, de denunciar os meus passos, talvez mais uma vez não fosse por causa de ir hipoteticamente socorrer o homem, mas talvez por sentir, que a ele já ninguém socorria naquela situação. Talvez fosse no meio da tempestade o seu lugar. Possivelmente estava a ocultar os movimentos por receio, que ao ser descoberta, talvez a mim me impedissem de sair. Quando cheguei á porta da frente, esta estava aberta. Muito provavelmente, ele tinha tentado aplicar tanta força na porta, que aquele pedaço de madeira teria apenas quase esmagado as paredes em redor, mas ter realizado apenas um ricochete que a deixou de par em par.
A chuva impelida pela enorme violência do vento, tinha já provocado a acumulação de água em extensas poças de água, que invadiam o hall de entrada. Madalena como que petrificada por alguns segundos, sentindo o frio da pedra debaixo dos seus pés e a sensação de fresco que as gotas de chuva iam causando no seu rosto. Sentia cada gota como um beliscão na sua alma, cada gota era um alfinete envenenado que a ia emergindo num estado de sonambulismo. Só voltou a recuperar um pouco da razão, quando voltou a ver o vulto enlouquecido do seu patrão, a encaminhar-se para uma das saídas da propriedade. Madalena lançou-se para a frente e de imediato sentiu a viscosidade e a dor de pisar os seixos do caminho sobre os pés…
Por Eumesma

CRESCER ENTRE SILVAS


- Sabe qual e a coisa mais sincera que conheco?


Ela que quase nao deu pela presenca do homem no jardim, estava agora ao que parecia, envolvida num desafio, numa questao. Ela gostava daquele tipo de desafio, mas tinha sido apanhada de tal maneira distraida, que quase sem dar por si, estava ja a manear a cabeca, executando um “nao”! Ele tinha notado que a tinha apanhado desarmada. Que tinha paralisado a fera. Sem nunca a confrontar nos olhos e sentindo a posicao dela no terreno do jardim, deu meia volta, voltando-lhe as costas. Comecou a acariciar a vegetacao e voltou a ser audivel:


- A coisa mais sincera que eu conheco sao estas silvas.


Na Primavera, quando despontam para a vida, nascem tenras, frageis e desprovidas de espinhos. Sao ingenuas. A medida que o tempo vai passando, vao sofrendo licoes. Sao devoradas, pisadas, maltratadas. Entao reagem. O seu corpo endurece. Desenvolvem espinhos. Protege-se e ameaca. Floresce e ganha frutos, mas em algum momento marca quem as busca. Quando chega o Outono desfaz-se de tudo que lhe pesa e o que permanece lhe basta. O seu tronco e os seus espinhos. Sao assim os coracoes. Ela detestava quando ele lhe fazia aquilo...
Por Eumesma

terça-feira, 2 de outubro de 2007

PESSOAS COMO FRUTOS


De forma apocopada de muito, ou seja, mui gente já descascou uma laranja. Se as unhas são pequenas e se da pele lisa e luzidia e, no entanto, áspera apenas se expele ácido, há logo tendência em levá-la à boca inconscientemente por causa da doçura que esperamos. Mas ela dá-se primeiramente sob forma repelente e amarga. Mas como é bom o fruto, não fosse ele o fruto da flor da laranjeira (que muito antes só pelo cheiro é mais doce que o mel). Cada pomo q pinga litros sumarentos de néctar exótico é saboreado pela abóbada bocal à medida que vão sendo sugados, quase que sorvidos pelos lábios.


Qual o objectivo deste devaneio sobre como se consome um fruto? É que cada pessoa é um fruto e cada fruto é engolido de forma diferente. Ao morango até se lhe junta chantily, a uva passa é tragada de maneira seca e o pistachio é petiscado salgado.
Por Eumesma

EXTRATO DE UMA TRAIÇÃO


- Eu sei que estou a ver bem. Sentia lá no fundo que eras um canalha. Não valias nada, mas pelo menos acreditava que não eras um porco ao enfiares essa galdéria, igualmente imunda, que se dizia minha amiga, na minha cama. Fazes bem em te manter em silêncio, só prejudicarias ainda mais a tua imagem, além de que estarias a insultar o meu discernimento. Metes-me nojo.
Madalena virou costas aos amantes e dirigia-se para a saída. Há muito que desconfiava que o marido a traia, mas a paixão que ele tinha despertado nela durante o namoro e o amor que foi aumentando nela nos primeiros anos do seu casamento, fizeram com que ela ficasse cega, ou seria ele que a cegava. Nos últimos tempos os sinais eram tantos e tão gritantes que poucas dúvidas lhe restavam. Mas a vontade de negar todas as suas suposições era mais forte. Apanha-lo em flagrante não estava a ser fácil de assimilar. Apesar de toda aquela realidade lhe entrar como uma lâmina coração adentro, ela não podia ser fraca. Já muito tinha permitido aquele homem. Ela acabava de ter a confirmação que os últimos quatro anos da sua vida podiam ter sido um verdadeiro e profundo logro. Ela não parava de dizer de si para si. “Madalena, sê forte, mantêm-te fria, não deixes o teu sangue responder por ti. Madalena aguenta essa vontade de voltares atrás, saltar a pés juntos para cima daquela cama e pontapeares aquele pulha e aquela rameira fingida”. Ao mesmo tempo que tentava controlar aqueles ímpetos de violência, que sabia possuir, mas não ao ponto de se mostrarem tão brutais, sentiu que o corpo, um corpo pesado fazia ranger as molas do seu colchão. Era ele que deslizava para o chão e que em largos passos alcançou o braço dela.
Ela reconhecia agora naquilo que ele era tão bom. Ao voltar-se cheia de vontade de lhe desferir uma bofetada, e só não conseguiu porque ele lhe aparou a mão, que ainda tinha solta. Ficaram os dois imóveis, tendo ele procurado e fixado os olhos dele nos dela. Activou aquele brilho no olhar para os tornar sedutores, mas não estava a resultar. Os olhos dela estavam a ejectar-se em sangue, ainda por cima, porque ele lhe mantinha ambos os pulsos apertados acima das suas cabeças. Para aumentar ainda mais os seus sentimentos de ira, ele parecia começar a dominar a situação, mesmo estando completamente nu, diante dela. Ela não ficou indiferente a esse aspecto. No seu inconsciente, o corpo dele continuava a conseguir tocar-lhe por dentro, mas ela recuperou rapidamente a racionalidade e não deixou que um simples impulso de excitação carnal a dominasse. Finalmente ela tinha acordado para o que aquele homem era capaz de arquitectar.
- Larga-me… disse ela entre dentes, mas num tom de voz baixo. Ele aproveitou esta deixa e disparou.
- Madalena, tu também não prestas. És mimada e fria. Só pensas em ti e no teu umbigo. Já consegui tudo o que queria de ti, há muito que já não me serves para nada. Apesar das tuas birras com a tua família, eles foram mais inteligentes do que tu e souberam engordar a minha conta bancária para que eu não te fizesse infeliz. Não vales nada para mim. Sim, vistes bem, deitei-me com todas as tuas amigas. Ao contrário de ti sabem o que um homem como eu realmente quer. São quentes ao contrário de ti, que nunca serás morna. É pena que estejas a abrir os olhos e que já não consiga continuar com a minha farsa. Por isso não te preocupes, não vou atrás de ti. Mas és capaz de não te livrares assim tão facilmente dos meus advogados.
O sangue dentro das veias de Madalena estava a ferver. Voltavam-lhe novamente os desejos de espancá-lo, mas após o que ele lhe tinha dito, tudo o que ela pudesse fazer ia ser apenas motivo de chacota por parte dele, ia ser como um prémio à sua representação daquela grande mentira, elaborada pela sua mente oportunista e cruel.
- És um porco… e ao mesmo tempo cuspiu-lhe no rosto. Como tinha desejado que a sua saliva lhe tivesse queimado aquele sorriso. Ao sair lembrou-se de uma forma de se vingar, naquilo que agora percebia ser o que a ele mais afectava. Privá-lo dos bens que tinha adquirido ao que parecia com chantagens ao seu pai. Da taça que tinha junto á porta da rua, retirou as chaves do carro desportivo que o marido cuidava religiosamente.
Por Eumesma

APANHAR FERRADURAS

Certo dia, pai e filho preparavam-se para sair bem cedo para o mercado, pois tinham um longo e difícil caminho pela frente, até ao seu objectivo final. No momento de partirem o homem mais velho, apresentou duas sacolas cheias de coisas que poderiam vender no mercado. Quando entregava uma delas ao seu filho, ele negou pegar nela dizendo, que se o pai tinha um burro, não era para ficar a pastar tranquilamente num verde prado, mas para ser utilizado. O pai olhou com desgosto para o seu filho, pois já há algum tempo, notava que ele estava cada vez mais preguiçoso. Com um ar triste tentou explicar ao rapaz que a carga que levavam era suficiente para ambos, que não era necessário exigir aquele fardo ao velho burro, que já tanto tinha feito por eles e que agora devido à sua idade avançada, merecia o devido descanso.

O filho continuou a protestar e a insinuar, que o pai o queria obrigar a carregar algo desnecessariamente, quando podia atribuir essa tarefa aos criados.

O pai voltou a demonstrar o seu ar de tristeza e uma vez mais explicou, que os criados eram precisos em outras tarefas importantes, como na manutenção da casa e da respectiva quinta e isso já lhes tomava muito tempo.

Vendo que o filho se recusava a aceitar as explicações, resolveu ele próprio carregar os dois alforges sobre as suas costas cansadas e doridas de muitos anos de trabalho. Vergado pelo peso que suportava, iniciou a caminhada que os levaria até ao mercado. Era seguido um pouco mais atrás pelo seu filho, que parecia ele próprio com preguiça em arrastar as pernas. A muito custo e com várias paragens, a progressão foi-se dando.

O orvalho sobre a vegetação foi sendo seco pela aragem fresca da madrugada. À medida que as horas iam avançando o vento reduzia de velocidade e o sol ia impondo um ambiente abafado e tórrido, que em tudo parecia dificultar o velho com o peso da carga.

Quando ao fim de algum tempo, após uma parte do percurso em que se encontraram expostos aos raios inclementes do astro solar, encontraram uma zona de sombra e de pedras, o velho decidiu parar. Desceu com o cuidado preciso a carga de cima dos seus ombros e procurou na berma do caminho uma pedra onde o seu descanso encontrasse mais efeito. Quando acabou por se acomodar, não conseguia acreditar, que o seu filho ainda vinha assobiando longe do local onde ele se encontrava.

O pobre velho perguntava a si próprio, como tal podia ser, como poderia aquele rapaz ser tão preguiçoso, que nem livre de carga, conseguia acompanhar as passadas do pai. Foi então, que distraído nestes pensamentos, viu a alguns passos de si, entre duas pedras do caminho, o que parecia ser uma ferradura. Como o seu filho estava agora mais perto daquele elemento de metal, propôs-lhe que apanhasse a ferradura do buraco e a guardasse.

O rapaz olhou para o local que o seu pai lhe apontava. Fez um olhar de escárnio e parecia surpreendido com o que o pai lhe pedia desta vez. Para que queria ele guardar aquele pedaço de ferrugem? Se ainda fosse uma bela jóia ou até mesmo uma moeda, mas aquele velho pedaço de metal? Não lhe parecia valer o esforço de se baixar. Empinou o nariz e continuou por diante. Mais uma vez aquele rapaz desiludia o pobre pai, mas algo no seu coração o parecia consolar. O senhor tinha uma secreta sensação dentro de si, que quase lhe segredava, que ao longo daquele dia, um simples evento podia surgir e vir a ser a causa para alterar o desagradável comportamento que o filho vinha tendo. Baseado naquela secreta esperança, o velho dobrou-se sobre o buraco e desencravou a ferradura de entre as rochas, guardando-a quase religiosamente num bolso fundo da capa que vestia. Colocou novamente a carga sobre os seus ombros e partiu no encalço do seu filho, seguindo o som do seu assobiar despreocupado.

Os pesos sobre as costas do Velho eram desde algum tempo uma impossibilidade, como lançar uma carga de água sobre chamas. O caminho foi penoso mas a satisfação de alcançar o objectivo foi o reconforto para as dores. Por fim o mercado estava ali á vista.

Pela sua grande experiência e reputação, em fornecer bons produtos a preços justos, o velho conseguiu rapidamente vender toda a mercadoria que tinha trazido consigo. Como já não tinham mais nada para fazer no mercado, o velho fez sinal para que o filho deixasse de vadiar entre os mercadores e o seguisse de regresso a casa. Quando se dirigiam para a saída do mercado, passaram em frente da casa onde um ferreiro costumava trabalhar furiosamente nos dias de mercado, mas hoje por alguma razão alheia ao conhecimento do Velho, a porta da oficina estava encerrada. Diante da porta estava um homem ao lado da sua montada. A cara do desconhecido estava muito perturbada e o seu corpo em constante sobressalto, de forma que, atraiu a atenção do velho. O filho reparou na reacção do velho e disse-lhe:

- Pai, que temos nós a ver com esse pobre diabo. Se continuar a dar assim tanta atenção a tudo o que cruza o nosso caminho, nem uma semana chegava para a jornada. E eu já não aguento a dor de pés.

- Meu filho é só alguns minutos, não custa nada ajudar um pobre coitado, como tu dizes.

O Velho aproximou-se um pouco mais do outro homem, enquanto se desviava um pouco da montada do desconhecido, que parecia muito velha e queixosa. Ao olhar para a expressão daquele cavalo velho percebeu perfeitamente como se devia sentir aquele animal.

- Então homem, porque está nesse desassossego?

Devido ao seu estado ofegante, o homem lá confessou a custo, o que o deixava naquela preocupação.

- Sou o novo médico das aldeias em redor, e acabo de saber que há mais um doente á minha espera na aldeia mais distante do povoado, mas para infelicidade minha e desespero da família do doente, o meu cavalo ficou sem uma das ferraduras na última visita que fiz. E agora disseram-me que o ferreiro foi ao casamento de uma filha e não vai estar. Estou desesperado, esta pileca velha que arranjei, já não se consegue arrastar e sem a ferradura que lhe falta ainda menos. Não sei que fazer!

- Calma homem, tudo se vai arranjar. Hoje é capaz de ser o seu dia de sorte. Durante o caminho para cá, encontrei uma ferradura que vai servir na perfeição e tenho a certeza, que se utilizarmos as ferramentas do ferreiro, ele não se vai importar. Segure ai no cavalo.

Em alguns minutos a experiência do velho a ferrar os seus próprios cavalos na quinta, fez com que o ar preocupado do médico se fosse dissipando, para lhe devolver um grande sorriso de serenidade. Porém, o médico lembrou-se que não tinha como agradecer ao velho. E de novo o seu rosto de preocupação, revelou o estado desconfortável em que se encontrava frente ao velho.

- Não tem que agradecer. Vá e ajude quem precisa verdadeiramente.

O médico remexeu um pouco na sua trouxa e lembrou-se de um saco de cerejas, que lhe tinham oferecido como forma de agradecimento pela sua consulta anterior, e logo o estendeu para o velho. Pelo trocar de olhares, o velho sabia que não podia recusar. O médico partiu á velocidade que a cansada pileca lhe possibilitava e o velho ficou com um saco de cerejas entre as mãos.


Finalmente pai e filho podiam retomar o caminho de regresso para a propriedade. Depois de terem andado parte do caminho, o velho começou a observar o olhar do filho sobre o saco de cerejas. Essa observação fez surgir uma ideia na sua mente. Deitou mãos ao saco de cerejas e pegou num galhinho com duas. Comeu uma delas e deixou cair a outra. Sem nada dizer, o filho baixou-se para apanhar a cereja caída, levando-a à boca. Um pouco mais adiante, o pai repetiu o mesmo gesto e o filho voltou a baixar-se para apanhar outra cereja caída. Ao longo do caminho o progenitor foi copiando sempre o mesmo gesto, até que parou a sua marcha. Virou-se de frente para o filho, que continuava a segui-lo e retirou mais uma vez uma cereja que deixou cair no chão, entre o espaço que separava ambos. Ambos olharam para a cereja caída sobre o solo poeirento e voltaram a olharem-se nos olhos.

Desta vez não eram precisas palavras. O olhar do filho demonstrava que tinha aprendido a lição. Não se tinha baixado, quando pensava que não era necessário e agora era obrigado a baixar-se várias vezes, segundo a vontade de outro e por necessidade própria.

O filho deu nesse dia um passo no caminho para ser homem. Aprendeu que a preguiça não providencia nada a ninguém.
Por Eumesma