quarta-feira, 3 de outubro de 2007

CAP. "A TEMPESTADE"


O som dos trovões era ensurdecedor. O céu envolto em trevas era constantemente rasgado de alto a baixo por raios que desferiam violentas chicotadas na abóbada celeste. Era impossível, alguém em seus quartos conseguir estar a dormir, no entanto, não haviam sinais de presença humana, apesar de ela estar lá. Apenas se ouviam os ruídos típicos de um casarão antigo que se contorcia e gemia com a violência da intempérie. Os diferentes degraus da escadaria, que dava acesso ao primeiro andar rangiam como um piano a ser martelado. O vento arremessava os galhos de velhas e decrépitas árvores contra os vidros baços da pequena janela.
Madalena não tinha medo de trovoadas. Como alguém que tinha estudado ciências, compreendia o fenómeno, mas não deixava de lhe ter um certo respeito. Neste momento da sua vida, uma grande trovoada como a que se verificava, era bem capaz de ser a única força que lhe fazia frente, que tinha valor como autoridade…

… Ainda não estava a compreender muito bem o que estava a fazer. Eu tinha o meu corpo seco e quente, porque havia de alterar essa condição. Ele era adulto, devia ter consciência do que estava a fazer. Porém, nem sempre me parecia adulto, mas quase e unicamente me parecia louco. Algo em mim me impelia para ir em seu auxílio, ou seria eu própria que me queria lançar para o meio da tempestade e tinha aninhada em mim apenas a cobardia. Quem sabe até, ele não tinha apenas só a coragem do seu lado, mas também a honestidade para consigo próprio. Olhei pela janela e o vulto dele afastava-se lentamente como se estivesse possuído, de tempos a tempos lançava gritos lancinantes num tom grave, como que bradando aos céus. Gesticulava ao mesmo tempo, executando gestos que eu não conseguia identificar pela penumbra. Eu tinha de ir atrás dele, mas a questão continuava lá. Porquê? Então ocorreu-me uma outra dúvida. Se eu o ouvia, se eu há muito tinha pressentido a sua saída da casa e a violência com que ele bateu a porta, porque seria que os restantes poucos funcionários da casa, tão fieis á mãe dele, não o tinham impedido de avançar para o centro daquela tormenta. Porque permanecia o silêncio no interior da casa. Eu tinha de ir. Tapei o meu corpo com o roupão de seda branca, que estava caído no chão e avancei nas pontas dos dedos ao longo do corredor. Enquanto me encaminhava para a porta nesta forma, pensava no quanto estúpida eu estava a ser. Qual era o problema de fazer barulho, de denunciar os meus passos, talvez mais uma vez não fosse por causa de ir hipoteticamente socorrer o homem, mas talvez por sentir, que a ele já ninguém socorria naquela situação. Talvez fosse no meio da tempestade o seu lugar. Possivelmente estava a ocultar os movimentos por receio, que ao ser descoberta, talvez a mim me impedissem de sair. Quando cheguei á porta da frente, esta estava aberta. Muito provavelmente, ele tinha tentado aplicar tanta força na porta, que aquele pedaço de madeira teria apenas quase esmagado as paredes em redor, mas ter realizado apenas um ricochete que a deixou de par em par.
A chuva impelida pela enorme violência do vento, tinha já provocado a acumulação de água em extensas poças de água, que invadiam o hall de entrada. Madalena como que petrificada por alguns segundos, sentindo o frio da pedra debaixo dos seus pés e a sensação de fresco que as gotas de chuva iam causando no seu rosto. Sentia cada gota como um beliscão na sua alma, cada gota era um alfinete envenenado que a ia emergindo num estado de sonambulismo. Só voltou a recuperar um pouco da razão, quando voltou a ver o vulto enlouquecido do seu patrão, a encaminhar-se para uma das saídas da propriedade. Madalena lançou-se para a frente e de imediato sentiu a viscosidade e a dor de pisar os seixos do caminho sobre os pés…
Por Eumesma

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