sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

VERSUS

*Por Eumesma - A tela ainda está inacabada, mas gostava que algo ilustrasse já o meu texto.

Ao iniciar esta divagação, colocou-se uma primeira indecisão. Que titulo lhe havia de dar? Cidade v/s campo? Urbanidade v/s ruralidade? Metrópole v/s aldeia? As mesmas palavras ou sinónimos ligeiramente diferentes? Não consegui escolher aquele que melhor se adequava ao que queria escrever. Portanto, ficou uma simples abreviação de “versus”, como titulo. No fundo, foi assim que me senti, com um pé em cada um dos mundos. Um versus. Sou suspeita pela falta de imparcialidade, mas também nunca o quis ser. Não tenho que defender ambos os mundos de igual forma. Quero simplesmente descrever o que vi, e ainda o que considero mais importante, o que senti. A cama era pequena, o quarto acanhado, mas afinal, era a cama de uma residencial no interior da capital. Aqui no meu quarto sempre estive habituada a uma cama grande (que até este momento me parecia pequena). Mas o que mais estranhei não foi bem a dimensão. A custo me habituei ao colchão, às roupas da cama. Não quero dizer que fossem desconfortáveis, mas eram daquele género que provoca insónias. O sono não é um só. É como que repartido. A culpa não era porém, só deste poiso nocturno alugado. Por muito bem que até estejam isoladas as paredes das estruturas nas cidades, há sempre um constante murmúrio de fundo, como se o mar estivesse a fustigar a costa ali a alguns metros. Constantemente, ou como se existisse um zumbido permanente dentro dos ouvidos. Um pouco mais de atenção e no ar da noite, conseguia-se divisar em que direcções rumam os carros durante a noite nas ruas. Menos atenção é precisa para ouvir de forma inequívoca a sirene da ambulância que passa a grande velocidade. Custa-me a adormecer. É cansativo permanecer acordada. Os meus ouvidos estão habituados a outros ruídos. Ruídos que por mais agudos e/ou tempestuosos que sejam, são sempre ruídos puros. Sons do campo. Vento e grilos, sapos e corujas, galos e pardais. Fora a natureza e os bichos, não existe na noite do campo nada artificialmente produzido por humanos. O cansaço de muitas horas na cidade acaba por me quebrar as pernas. Esse peso trepa-me pelo corpo e acaba por atingir a minha cabeça. Há uma obrigação inconsciente para o dever adormecer. Tenho de cerrar os olhos para retemperar forças, encher meia bateria para um novo dia. No campo, mesmo que essa bateria esteja esgotada, quase no fim das suas capacidades, há sempre um fio de terra, que é como que uma tomada de energia, que recarrega todo o ser, mesmo em pleno esforço. A cidade cansa-me num sentido só. Uma nova manhã. A cidade já acordou à muito, acorda como que sozinha. No campo sou eu que acordo nele. Na cidade a cortina está fechada, somos vigiados de todos os lados, a luz ou a chuva da manhã são ofensivas. No campo todos os elementos nos dão o bom dia que precisamos sentir para fortalecer o ânimo. Avanço para o banho. A água é aparentemente transparente, mas de algum modo parece estar saturada de gordura, como se já tivesse lavado vinte corpos antes do meu. Tenho saudades da minha água do campo. Que nasce a metros no solo da montanha, a quilómetros da minha torneira, sem qualquer fonte de poluição pelo meio. Todo um monte de granito para lhe filtrar as impurezas. Sinto falta da água dos campos e dos alimentos por eles produzidos. Do que grande parte vi crescer para depois consumir. O alimento que sei a que mãos foi tratado. Aqui na cidade o alimento parece me enfraquecer. Engorda-me, incha-me o ventre, pesa-me no sangue, mas no fundo é insípido, sem verdadeira energia. Um alimento que alimenta mas não sacia por inteiro. Meto-me pelas ruas, pelos transportes públicos. Todos sabem que lado tomar da rua naquela determinada hora. É como se fossem idênticos a um carreiro de formigas, um bando de mortos vivos cinzentos. Sim, foi essa a cor que me disseram que essa gente da cidade tinha. Observei-os mais de perto e tinham razão. São cinzentos em todos os aspectos. Cinzentos na cor da sua pele, cinzentos na sua fisionomia, cinzentos nas suas expressões, cinzentos até quem sabe nos seus pensamentos. Sinto-me excluída, nunca poderei pertencer à cidade. Ganhei lodo desde que nasci as cores do campo. Um simples tom rosado nas minhas faces denuncia a minha origem. Um sorriso despreocupado pela manhã na rua e é observado como um escândalo para essa gente cinzenta. Mas nem tudo é desânimo. Não sei se essa gente é capaz de observar os pormenores que eu observo. Uma vez mais matei saudades do chiar do Metro. Tanta gente vai adormecida por esse som. Que sabe já o odeia, mas eu adoro-o. Aquela violência de fricção metálica fascina-me. Gosto de andar de Metro. De resto é Janeiro, as árvores dispersas pela cidade ainda estavam adormecidas, não as conheci no seu esplendor. Condição que deve ser novamente ignorada por todos os que circulam nas ruas. Feche os olhos, sabe dizer se as árvores por onde passa todos os dias têm folhas? Certamente nunca desperdiçam muito tempo a responder a uma pergunta como esta. Eu respondo, das que observei, ainda estão todas despidas, com algumas excepções. Algures umas palmeiras exóticas e nas proximidades uma mediana, mas bem tratada magnólia grandiflora (quanto a esta daqui a umas duas semanas deve ter já grandes flores brancas). Deixei-as com saudade e elas saudades de mim, por que certamente há muito que ninguém as tratava por tu. Voltei para as minhas árvores em floresta. Estive seis dias na cidade e tive de descansar de seguida três no campo para recuperar a pessoa que era. Pergunto-me como conseguem viver essas pessoas que moram na cidade. Como vivem verdadeiramente? Será que vivem ou passam pela vida vivendo? Porque tudo à volta deles não tem vida, são já protótipos de caixões, de procissões funerárias.


NO CAMPO DEIXASSE DE VIVER, NA CIDADE MORRESSE FINALMENTE.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

FRASE

Hoje ao folhear um dos meus cadernos de rascunhos, li uma frase que apontei. Ao ver as aspas nela, significa certamente que a retirei de algum lado. Não sei de quem se trata, não coloquei o nome do autor dessa citação. Talvez até tivesse sido eu própria. Não sei dizer. O que é certo, é que a reli algumas vezes e deu-me vontade de a colocar aqui.

"NUNCA DEVEMOS FICAR PRESOS AO QUE FOI PLANEADO, SEM FLEXIBILIDADE PARA RECONHECER O PRESENTE"

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

UM NADA QUE É TUDO



Novamente os dois entre lençóis, naquela cama.
Ganhei coragem e perguntei:
- O que sou eu para ti?!
E sem grandes silêncios, ouvi o som da sua voz proferir.
- Para mim não és nada.
Se não estivesse numa posição horizontal, aquele murro, aquele espancamento da frase teria me derrubado. Naquela noite não aqueci mais nada para além do espaço na cama, debaixo de mim, debaixo do meu corpo.
Não, não me podia conformar. No dia seguinte encontrei um dicionário, que esfolhei e procurei várias palavras:
Nada: ausência de quantidade; ausência de ser ou de realidade; o que não existe; bagatela; coisa nenhuma; não; de modo nenhum.
Zero: algarismo que não designa por si só nenhum valor; coisa ou pessoa sem nenhum valor.
Nulidade: qualidade do que é nulo; falta de validade; falta de mérito; de talento; pessoa insignificante.
Nulificar: tornar nulo; anular.
Nulo: sem efeito ou valor; ineficaz; vão; nenhum.
Nega: negação; recusa; falta de vocação; falha; recusa a dar lição; fracasso.
Se o Nada tem assim tantas definições, tantos sinónimos, tantos nomes, tantos significados. Talvez o seu Nada, não seja, a sua própria definição, mas uma espécie de antimatéria do próprio Nada. E o Nada percorreu durante todo aquele dia os meus pensamentos. Novamente era um Nada, que não provocava soluções, porque agia nos meus pensamentos, sem um corpo, sem um fio de sentido. Girou, rodopiou dentro da minha cabeça. Como um cientista que descobre na prática o que ainda não conseguiu teorizar, assim eu sentia, que aquele Nada estava lá vivo, no interior da minha cabeça. Um Nada que se materializava em algo, mesmo que não me levasse a lado nenhum. Eu tinha faculdades mentais para profundas análises, mas nem sempre o fazia. Por vezes preferia a comodidade de não pensar. Aquele debruçar sobre o Nada, intenso e conflituoso no meu cérebro preguiçoso.
Se o cérebro não chega a conclusão alguma é por vezes o corpo envolvido na experiência que descobre o caminho.
Uma nova noite, e um novo encontro com quem me apelida de um Nada. Novamente, ciente das minhas capacidades argumentativas, tais como tinha estado das minhas capacidades de pensamento. Mas tal, como tinha feito antes, voltava a ficar novamente preguiçosa de qualquer acto. Por isso, se eu era um Nada, também não precisava de dizer nada, de fazer nada, de esperar nada. Voltava a estar na mesma posição junto a ele, exactamente como tinha estado no momento da minha pergunta, no dia anterior. Hoje não queria perguntar nada, não esperava mais respostas. Continuava a cultivar aquele Nada, que me começava a atrair para uma estranha comodidade, apesar de contrariar por completo toda a minha natureza. Foi então, como se no meio daquele universo gelado e obscuro, se formasse um buraco negro. Exactamente como esse Nada galáctico, uma força gravítica poderosa, sobre a forma de dois braços ligeiramente musculados, avançava para me abraçar. Aqueles braços, que eu tão bem conhecia, teriam provocado um ligeiro sorriso no meu rosto, mas não o fiz, para não me denunciar. Aquele abraço quente proporcionou-me a resposta. Um Nada tão absoluto, tão redundante, era apenas um subterfúgio para um Muito que se ocultava. Omitido a medo. Se o Nada podia ser zero, ser nulo e nulidade, ser a nega, o Nada era Muito e eu não me importava mesmo que Nada fosse, desde que mantivesse aquele abraço apertado em meu redor.