terça-feira, 6 de janeiro de 2009

UM NADA QUE É TUDO



Novamente os dois entre lençóis, naquela cama.
Ganhei coragem e perguntei:
- O que sou eu para ti?!
E sem grandes silêncios, ouvi o som da sua voz proferir.
- Para mim não és nada.
Se não estivesse numa posição horizontal, aquele murro, aquele espancamento da frase teria me derrubado. Naquela noite não aqueci mais nada para além do espaço na cama, debaixo de mim, debaixo do meu corpo.
Não, não me podia conformar. No dia seguinte encontrei um dicionário, que esfolhei e procurei várias palavras:
Nada: ausência de quantidade; ausência de ser ou de realidade; o que não existe; bagatela; coisa nenhuma; não; de modo nenhum.
Zero: algarismo que não designa por si só nenhum valor; coisa ou pessoa sem nenhum valor.
Nulidade: qualidade do que é nulo; falta de validade; falta de mérito; de talento; pessoa insignificante.
Nulificar: tornar nulo; anular.
Nulo: sem efeito ou valor; ineficaz; vão; nenhum.
Nega: negação; recusa; falta de vocação; falha; recusa a dar lição; fracasso.
Se o Nada tem assim tantas definições, tantos sinónimos, tantos nomes, tantos significados. Talvez o seu Nada, não seja, a sua própria definição, mas uma espécie de antimatéria do próprio Nada. E o Nada percorreu durante todo aquele dia os meus pensamentos. Novamente era um Nada, que não provocava soluções, porque agia nos meus pensamentos, sem um corpo, sem um fio de sentido. Girou, rodopiou dentro da minha cabeça. Como um cientista que descobre na prática o que ainda não conseguiu teorizar, assim eu sentia, que aquele Nada estava lá vivo, no interior da minha cabeça. Um Nada que se materializava em algo, mesmo que não me levasse a lado nenhum. Eu tinha faculdades mentais para profundas análises, mas nem sempre o fazia. Por vezes preferia a comodidade de não pensar. Aquele debruçar sobre o Nada, intenso e conflituoso no meu cérebro preguiçoso.
Se o cérebro não chega a conclusão alguma é por vezes o corpo envolvido na experiência que descobre o caminho.
Uma nova noite, e um novo encontro com quem me apelida de um Nada. Novamente, ciente das minhas capacidades argumentativas, tais como tinha estado das minhas capacidades de pensamento. Mas tal, como tinha feito antes, voltava a ficar novamente preguiçosa de qualquer acto. Por isso, se eu era um Nada, também não precisava de dizer nada, de fazer nada, de esperar nada. Voltava a estar na mesma posição junto a ele, exactamente como tinha estado no momento da minha pergunta, no dia anterior. Hoje não queria perguntar nada, não esperava mais respostas. Continuava a cultivar aquele Nada, que me começava a atrair para uma estranha comodidade, apesar de contrariar por completo toda a minha natureza. Foi então, como se no meio daquele universo gelado e obscuro, se formasse um buraco negro. Exactamente como esse Nada galáctico, uma força gravítica poderosa, sobre a forma de dois braços ligeiramente musculados, avançava para me abraçar. Aqueles braços, que eu tão bem conhecia, teriam provocado um ligeiro sorriso no meu rosto, mas não o fiz, para não me denunciar. Aquele abraço quente proporcionou-me a resposta. Um Nada tão absoluto, tão redundante, era apenas um subterfúgio para um Muito que se ocultava. Omitido a medo. Se o Nada podia ser zero, ser nulo e nulidade, ser a nega, o Nada era Muito e eu não me importava mesmo que Nada fosse, desde que mantivesse aquele abraço apertado em meu redor.

1 comentário:

fotodamar disse...

Este texto leva-nos, ao interior de nós mesmos, e faz-nos colocar a questão que todos temos medo que colocar... "O que sou eu para os outros?" Temos medo de descobrir que não somos "nada", que não temos valor para as pessoas que amamos. É importante lembrar, de vez em quando, os nossos amados, o que sentimos por eles. Mesmo que se torne repetitivo. Quem o sente nunca se cansa de dizer, ou ouvir palavras de carinho e amor...

adorei o texto
beijos