sexta-feira, 9 de novembro de 2007

PAG4 - GENE


Sem saber porquê, ao chegar ao seu apartamento, sentiu um ar saturado. O oxigénio passou a estar tão irrespirável como se tentasse sorver cimento por uma palhinha.
Tinha a sensação de alguém ter entrado em sua casa. Não era muito bom de ouvido, mas pareceu-lhe que alguém estava no seu sofá, lendo, porque esfolhava um livro, virando as páginas muito violentamente, quase com o propósito de as ouvirem.
- “Talvez seja um amigo, mas não tenho amigos que enganem fechaduras. De qualquer modo, esse alguém não me quer alterado, com exaltação.”
Um homem…a quem Diogo falou sem tom nem som. Um homem que produziu nele um eclipse de vontade. Tomou como táctica o contra-ataque, porque esta é provavelmente a melhor defesa.
Em todo aquele exsudar de coragem – medo, ou melhor, naquela atitude beligerante de cera, havia duas mãos que estavam a pensar mais que uma cabeça.
Durante dois moveres de relógio, os dois homens puderam tirar impressões, se é que é assim que se poderá deixar tomar nome.
Do lado oposto da barricada havia um homem que observava Diogo. Possuidor de um rosto anguloso que era o sinal de inteligência. Conservava ainda parte do encanto da juventude, apesar de estar acima da casa dos quarenta. Mas o homem não estabeleceu discurso algum, devido à sua posição de calma sobre o sofá de veludo cinzento.
Diogo jazia ainda a poucos passos da porta. Apesar da sua perplexidade, também observou o rosto daquele intruso. Loiro e olhos claros, magro mas bem proporcionado de estatura. De pele lívida, era quase de certeza do norte europeu. Pelo rosto, também lhe avaliou o psicológico que foi tirado pelo dito espelho falso da alma, que é o olhar. O feixe da luminosidade escura que tresandava dele demonstrava uma personalidade, que infelizmente, alternava com uma expressão de loucura.
Como em termos físicos Diogo estava em desvantagem, tentou desviar o olhar para qualquer objecto que o pudesse salvar de um possível ataque. A apresentação por parte do estranho não deixou os olhos de Diogo chegarem á vara de ferro que servia para atiçar as brasas da lareira.
- “Meu nome ser Drolen. Professor Van Drolen”. E estendeu uma maozarrona do tamanho de uma posta de bacalhau. Se, se viesse a conhecer aquilo, ( o Van) ia ser cá um “dá-me cinco”. A amizade parecia ser impossível de se travar, as pontas dos dedos mal se tocaram. Recuaram ás posições antes possuídas. Foi neste recuar que Diogo notou pelo sotaque ter ali um “Neogermânico”.
O Van qualquer coisa mostrava a Diogo, a cada expirar e inspirar, que a sua calma não era feita de ferro, mas de qualquer coisa como betão, ou melhor, de diamante. Parecia mesmo que quem era ali o estranho era o próprio Diogo.
Na mente de Diogo, perfilhava-se cada vez mais insistentemente, quase com a força de um turbilhão, questões como: - “Que faz ele aqui?”; “Que me quer ele?”; “Afinal, quem é ele?”.
O professor parecia perceber todo o pensamento de Diogo e todos os efeitos do seu receio.
- “Aviso-o que o diálogo vai ser longo e certas passagens vão-lhe ser chocantes, portanto, aconselho-o simplesmente a sentar-se”.
Não teve sequer ponta para contornar aquela quase ordem porque o tom chegou bastante sério.
-“…prosseguindo, por onde posso eu começar?” – E como se visualizasse em diário, começou precisamente… -“Se tenho de começar, tenho de começar pelo principio. Chama-se Diogo Gaivão Calheiros. Correcto. Filho de Marta Gaivão, prima do presidente, e filho de Antão Calheiros, general das Forças Armadas. Correcto. Viúvo de Helena Petrovena, com nacionalidade Emausa.

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