sexta-feira, 23 de novembro de 2007

RUBOR PERDIDO


Onde estão as cores que te tingiam o rosto? O calor que o fazia roborizar? Por certo, se esgotou e arrefeceu. Foi levado e consumido pelos primeiros frios. Devorado pela aragem gélida que o recortou. Perdestes as cores da tua face para as entregares ás folhas que findam o seu ciclo. Ficam suspensas a aguardar a sua hora. O momento da sua precipitação. Planam temporariamente no vazio até permanecerem de forma perene no chão que as vai consumir. Dourados, laranjas e vermelhos, fugazes sensações visuais de um mundo quente, que nunca possuiu calor. Falsa aparência de luz, que deixou de precisar de viver na luz. Velam pelo dia que a humidade e os vermes as vão devorar. Manta morta e amorfa será tudo o que vai restar. Procura as tuas cores. Esfrega o teu rosto. Dá vida ao que não pode perecer assim.
Por Eumesma

terça-feira, 20 de novembro de 2007


O TEU CORPO ESTÁ MORTO, SE O TEU ESPÍRITO NÃO VIVE.
Por Eumesma

sábado, 17 de novembro de 2007

MINOTAURO INVERTIDO


Passo a explicar, existe na minha terra um monte, chamado monte castelo, onde actualmente não existe nada para além de um aglomerado monte de pedras, mas á alguns séculos atrás, havia registos da existência de um castelo em madeira (castro), que serviria para a defesa da fronteira do nosso país embrionário, e que aos longos dos tempos foi desapareçendo.No entanto, há muito tempo atrás, talvez mesmo antes da construção dessa frágil mas altaneira fortificção ser construida, contava-se que um pastor possuia uma manada de vacas que se alimentavam nas vertentes daquele monte. Entre os animais, ele possuia um grande boi, bem constituido. Certo dia esse belo animal afastou-se da restante manada, e mesmo depois de uma minuciosa procura por parte do pastor, o animal não foi encontrado.Passados dias, semanas até, estando o pastor a guardar o resto do rebanho na zona onde ou seu boi tinha desapareçido, vê regressar novamente o animal para junto dos restantes. Porém, o boi regressava um pouco diferente. Por entre os seus cornos, podiam-se ver pendurados colares e diademas, de uma riqueza nunca vista.Ao regressar à aldeia, e depois de contar o sucedido, muitas pessoas subiram ao monte para tentar explicar o sucedido, quem sabe talvez encontrar uma entrada para alguma gruta...mas nunca mais ninguém conseguiu encontrar nada.



Aqui fica um pequenino contributo que me foi transmitido pelos meus ascendentes e que preservo no coração e na mente. Por Eumesma

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

PROCURA


Não sei onde te encontrar, mas tenho uma certeza, sei que te procuro. Não sei porque te procuro, mas sei que te quero encontrar. Como já estou esgotada de pensar na tua existência em mim, resolvi, que me desses liberdade para ocupar a minha consciência com outras ideias, para além das de idealizar a tua pessoa. Num remoinho sináptico a minha mente foi sugada para um tempo não muito distante. Sonhei com aqueles dias em que subia a montanha para ouvir o Universo. Lembrei-me do que fazia e do que sentia. O subir daquela encosta íngreme até ao ponto da minha eleição. Uma grande laje redonda, rodeada por outras rochas, como se de um sinédrio se tratasse e com uma outra pedra no centro, assemelhando-se a um trono. Ficava ali em silêncio, em sinal de respeito, submissa, porque ali junto de mim, estavam entidades superiores á minha pessoa. Supremas a todos nós. Havia o Pai. O Sol, senhor de toda a paisagem avistável. Um reino ilimitado sem confins. De onde só ele lá do alto, no meio do seu próprio brilho conhecia os segredos. Terno e quente, mas que se ausentava para dar lugar á noite. A Terra (solo), escassa e dura, que exigia batalhas sucessivas à vegetação. Sempre a fugir das suas raízes, sempre a exigir – até ás plantas mais resistentes – que viviam sobre o fio da navalha. Entre a vida e a morte. Nas fendas de algumas rochas, alguns exemplares de briófitas lutavam por algumas gramas de poeira, que fizessem a diferença. A terra só era volúvel porque algo solúvel assim a obrigava.
Por Eumesma

NOTA AO PSICANALISTA


Quando comecei a reflectir sobre o que deveria escrever, que ideias havia de exprimir, que sentimentos, que desejos a acrescentar, cheguei a uma conclusão. Acabo por descobrir que a minha pessoa gosta mais de dar asas á imaginação – inventando situações para outras personagens – do que o que me vai cá dentro.
Faça eu, uma analepse. “Naquele dia”, o imbróglio do meu desespero (já há muito a acumular) subiu-me ao esófago, provocando-me a sensação, um tanto ou quanto semelhante á asfixia. Outros sintomas se seguiram. Com certa desconfiança minha, o seu desencadeamento foi provocado pelo aumento da minha exposição ao tédio.
A início estava um pouco receosa, porque desde sempre fui bastante independente, e todo o problema referente a mim e aos meus próximos era resolvido igualmente, dentro de mim.
Momentos depois, ou seja, em qualquer ponto da conversação, o meu espírito acalmou-se um pouco. As soluções não me foram dadas, mas foram-me oferecidos novos pontos de vista, que eu não queria ver, talvez por desejar ficar um pouco cega.
Concluo, que no fim, o que mais agradeço, foi ter-me sido permitida uma hora de conversação, com alguém que me é superior culturalmente.
Não reli o que escrevi, porque senti tal facto desnecessário, mas no entanto, pelo que me lembro de ter escrito, fui talvez muito sintética e pouco clara. Como disse inicialmente, sou mais virada para as histórias do que para a minha história.P.S.: Quando sai da nossa “conversação”, vi a ondulação que a chuva provocava nos charcos e fiquei novamente triste durante todo o dia.
Por Eumesma

CARTA AO QUE TU ÉS


Quando tentei escrever uma palavra nem uma me surgiu. Sei que te devia dizer tantas coisas mas junto ao meu coração há um vazio onde existe um eco, que repete vezes sem conta, que tudo o que tenho para te dizer, já tu adivinhas em mim.
E porque estranha força da Natureza também eu suspeito dos teus modos de ser. A minha mente está submersa em dúvidas. O que nos atraiu? Os nossos nadas talvez, o nosso vazio interior. A simplicidade de nada querer-mos, o básico de ficarmos felizes se tocamos em assuntos como o céu estrelado. Acompanho o tempo alienada, mas eu sei que na terra tenho de colocar os pés, e desta vez só para te dizer: que vou alongar esta mensagem para além do suportável da tua paciência. Perdoa-me a provável longevidade. Só o faço para estar um pouco mais à frente dos teus olhos, presente (ou ausente) da tua mente. Em tuas mãos. Acrescento, com o mesmo objectivo (de não te aborrecer) que o que eu possa aqui dizer não tenha qualquer sentido. Mas pode ser que a tua alma nobre se compadeça da minha falta de ideias e de senso. Um passo adiante, e chego ao espaço das constantes questões. Também te questionas, sobre que estranha força da Natureza nos atrai? Porque será que cada palavra que proferimos um ao outro, esta se assemelha a uma peça de puzzle, que se une a outras sucessivamente! Tu descobriste o meu calcanhar de Aquiles. É verdade que sou insegura. Mas acredita que dúvida não é, nem nunca será defeito. Ajuda-te a nunca caíres em erros. Mas que digo eu. Tu não és um erro. Tu és uma certeza em mim. Perdoa-me se eu sim, errar. Se eu me precipito a ajuizar-te, mas o meu interior acha que te encontrou. O meu interior acha que te descobriu quem tu és ou que sonha como tu serás.
Começo pela parte má. Não acredito, que sejas sempre tão doce, meigo, dedicado, alegre. Ninguém é. Mas mesmo enfurecido, deves ser belo. Mas esta parte, não pretendo presenciar, apesar de ter noção de que posso ser provocadora e desvairar o mais sereno ser.
A tua parte em maior percentagem. A tua parte boa. Vou esquartejar-te em três: físico – psico – moral. Não consigo imaginar o teu rosto e como fico triste por não saber como é o teu olhar. Como é o teu sorriso. No entanto, agradeço à minha imaginação, pelo mínimo que ela me concede. Sem te ter aqui, ela me dá a conhecer o teu perfume, o teu tacto. A pele do teu corpo deve ter o cheiro de terra molhada com ar de Outono. A musgo e a uma floresta de bétulas e choupos. E o teu toque de violetas bravas orvalhadas.
Descubro em ti além de nobreza, um homem de bem, isto é, prudente, bom, corajoso e confiante. Que és alegre mas discreto, inteligente com interesses em temas actuais, mas que não sejam “ocos” nem frívolos. Culto e conhecedor sem necessidade de exibições nem de petulâncias. Não me proíbas de dizer a verdade. De dizer o que acho de ti e que mereces que seja dito.
Tu és isto para mim. Deixa-te estar, mas eu ainda não terminei. Amigo, fiel e correcto, que como eu nada ambiciona. Só deseja que lhe sejam concedidos desejos muito cândidos e simples. Nós desejamos….a felicidade.
Tu entendes-me e eu procuro te entender. É essa a magia louca que nos atrai. Obrigado por existires. Obrigado por me fazeres tão bem. Por aceitares os meus devaneios.
O meio onde vivo é muito belo e saudável, sem confusões. Mas o pior, é o sacrifício que faço para me manter alegre. O pouco que circula por aqui, nem sempre é de qualidade e acabo quase sempre só…vazia. Retendo dúzias de pensamentos, que gostava de partilhar com o mundo. Aceitas este pedaço de mim, que ninguém quer? Já tentei começar milhares de assuntos, mas nenhum consegue ficar o tempo suficiente para eu o passar para o papel. Como já te disse, deixas-me sem palavras. Fecho os olhos e a tua voz me abraça. O que eu mais gostava de ver em ti era o teu respirar. Sentir os movimentos da tua caixa torácica. Ouvir o bater do teu coração. Ver-te ao pôr-do-sol, passeando nas margens do …Estou triste, e amaldiçoo-o este papel, porque ele vai estar nas tuas mãos. Tu vais-lhe ditar um destino. E eu, mesmo que continues a suportar-me, quando nos cruzaremos. Não quero pensar nisto, quero estar feliz… e uma palavra basta para que sorria – Encontrei-te.

…pensei que era fácil te escrever mas nunca me foi tão difícil encontrar algo para dizer.

Não me despeço. Digo-te até já. Não te mando um beijo. Mas sim todos aqueles que precisares.
Por Eumesma

domingo, 11 de novembro de 2007

(DES)ANIMO


Animo:

Sentimento que exige constante gasto de energia.

É uma permanente tentativa para nos manter á superfície.

Insistência para conseguir manter a cabeça levantada.

Talvez fugir seja a solução, ou talvez não, mas ando muito preguiçosa para descobrir a verdade, logo enveredo pelo caminho mais simples, ou seja, não vou fazer nada.

Aqui estou eu sentada, num local vazio que eu especialmente escolhi para me encontrar desta mesma forma.

Tento aproveitar o tempo que me resta até ir trabalhar.

Tento não ocupar a minha mente com nada.

Tento fazer como o animal que vai hibernar.

Reduzir ao máximo os meus esforços.

Não fazer mesmo nada.

Latência total.

Limito-me a acontecer.

O que falta para derreter gelos á minha volta e dar calor á vida, para quebrar tensões e desfazer enganos é a palavra que não disse, aquela razão que eu calei.
Por Eumesma

EDEMA


Esta solidão até me coloca com pena de mim mesma. Começo a pensar que todo o ser que é incapaz de amar é um inútil. Logo sou isso mesmo…não, o dobro disso…mas…eu até tenho tanto amor para dar, que até parece que rebento. Tudo arde por dentro. Como é possível que ninguém me socorra. Me consiga lancetar. Por favor…isto é um edema doloroso. Está aqui dentro das minhas veias sem a mínima intenção de sair de circulação. Creio que se continua vai matar-me por asfixia. Se é que já não estou morta. É certo que até acreditava ser uma pessoa com força para continuar, mas agora não sei. Talvez a desistência seja a força maior. O meu corpo está deposto. O meu espírito em breve expirará. Não consegue manter-se vazio. Eu sou o vazio puro. Porque será que os nadas são atraídos para mim, é quase como se eu fosse uma espiral, sorvendo toda a matéria.
Por Eumesma

SAI DE MIM...


Sai de mim, liberta-me, deixa-me respirar. Ordeno-te. Abandona-me.

Começo com algo forte…adoro o ser humano, mas esta espécie anda a entristecer-me. Desconheço-os. Não são da minha carne, da minha substância. Acho que adquiri uma enfermidade. Deixei de ter noção do movimento e os meus olhos só vêem o que está paralisado. O meu olhar fica ligado ao céu nublado. Elas (nuvens) sugam o meu nervo óptico para o interior do seu estado gasoso. Mas se o céu não me faz crescer asas para viver nos seus reinos, que me aceite Gaia. Ultimamente a imagem de lama, raízes, lodo, tem me surgido por várias vezes na minha mente. Flores de aloé. Sinto-me uma flor de cacto. Bonita metáfora, mas neste caso o importante não é a figura de estilo, é a parte espinhosa da afirmação. Tanta substância nociva neste meu habitáculo carnal. Como se pode armazenar? Eu ordeno-te que saias…

Porque será que as pessoas se esqueceram do que é pequeno e embarcaram em grandezas…

Sinto-me de tal modo vazia… que emudeço…mas ao pensares nesse vazio, não estás vazia. Quem te disse que estavas?
Por Eumesma

sábado, 10 de novembro de 2007

PÁG6 - GENE


Diogo afirmava cada vez mais no seu intimo que aquele curioso, só podia ser um tarado sarcástico que estava para ali a zombar da sua paciência e a procurar o ponto máximo da sua tensão. E ele que não suportava tais pessoas de bom grado.
- “Deixe-me prosseguir, não esteja para ai a interrogar-me com o olhar. Muito bem, o assassino da sua mulher foi você mesmo.”
Diogo devia por tal homem na rua a pontapés ou então fazer um telefonema para a esquadra mais próxima ou mesmo para um sanatório, porque tal homem apenas podia ter dado de frosques de tal lugar. Mas por mais que o atingisse o cume do absurdo, o seu sistema nervoso tinha ficado curioso quanto a esta versão estapafúrdia da história.
- “Vejo que o senhor até encarou bem o facto, como já prevíamos. O crime sucedeu-se porque o fizemos ingerir a tal droga secreta. E se me deixar passar a expressão, matámos dois coelhos com uma cajadada só. Em primeiro matámos a sua mulher da maneira mais improvável, através de um ataque de rua, tendo como álibi gente da justiça que o tirou rapidamente da cena do crime, colocando-o rapidamente no seu posto de trabalho, nos hotéis Minerva, onde já labutava há duas semanas. Em segundo, acabou por ser cobaia da nossa experiência.
A exaltação de Diogo surgiu por fim juntamente com um optimismo fictício. Começou a dar volta à sua mobília muito interessado no certo encaixe que aquele homem tinha dado à história. Até já lhe oferecia um cafezinho e mais que fosse. Um sorriso cínico fazia o professor quase dar por terminada a sua missão.
- “Diga-me, você ainda não acredita, pois não? Mas se quiser pode ir fazer uma análise ao sangue e eles lhe darão como resultado uma substância estranha. Por ultimo, tenho o que é opcional: ou você aceita a nossa proposta ou irá de “cana” 20 anos. Nada nem ninguém o poderá ilibar. Tem como segunda hipótese cumprir-nos uma missão que lhe será transmitida posteriormente. Se escolher esta, pode contactar-nos todas as nove horas, no prazo de uma semana, através dum outro agente, junto à sepultura do seu pai.” – Olhou simplesmente pela janela e para o relógio que se evidenciava claramente no pulso. – “Creio que é mais que tempo para me retirar da sua presença.”
Diogo estava de costas voltadas muito conformado e seguro de si. Dava para ouvir um leve sibilo que pronunciava “boa noite”. Diogo ouviu tal som mas desta vez ainda não foi coisa com pés nem cabeça, ou melhor, ele acabou por ouvir que era escusado apresentar-se ao emprego no dia seguinte.
Eram já 23 horas. Num ponto aquele louco teve sorte, a chuva tinha parado de cair e desta parecia definitivamente.
“Sorte para aquele louco mas melhor tenho eu, porque a cama já me chama.” – Uma ideia fixa apoderava-se do seu cérebro. – “Amostra de sangue…amostra de sangue…, só posso ter sido contagiado por aquele maníaco.”
Ia pelo passeio e a hora para se apresentar ao trabalho ainda estava distante. Por isso não precisava de ter pressa e o trabalho distava dali apenas uns escassos terezentos metros. A sua atenção virou-se para uma criança cega mesmo ao virar da esquina do edifício onde trabalhava.
Era um menino, quase um rapazote, teria entre 12 e 15 anos. Tinha o rosto composto, mas com falta de limpeza. O cabelo parecia estar tratado, mas não tinha visto o pente nessa manhã. Estava descalço e com pouco mais que uma camisola, contendo mais buracos que um crivo e dezenas de fios desfiados. As calças estavam em melhor estado, mas a zona dos joelhos encontrava-se já muito puída. Os pés, descalços naquele húmido passeio, não se encontravam calejados, pelo contrário, mostravam uma pele branca e muito fina. O que saltou mais à atenção de Diogo foi o vislumbre de uns quantos dentinhos mais brancos que o puro branco! E os seus olhos pareciam-no observar.
-“Em breve o senhor andará cheio de sumo de cenoura e autodisciplina!”
Notou que era outra criatura vítima do mundo louco. De tal modo o compadeceu que lá largou uma larga esmola.
Mal Diogo pôs um pé dentro da porta do hotel onde trabalhava, deu conta que mesmo no centro do átrio estava “hábito de intemperança”, ou melhor, o patrão dos hotéis. Foi rápido e mortífero.
Pediu-me para que não requeresse explicações. Despedia-me. Acrescentou ainda: - “Você sabe precisamente porque o estou a despedir e não vale a pena solicitar qualquer tribunal, qualquer sindicato. Ninguém o ouvirá!”
Como mal o tinham deixado entrar nas instalações, bastou um passo à retaguarda para obedecer prontamente.
Que interessa ao leitor qual o resultado das análises de Diogo, o encontro no cemitério e a missão que lhe foi confiada, quem era o miúdo ou quem era o dono da repelente cicatriz!
O mais importante, o imperativo é que ela (esta história) não pode existir. Sejamos realistas como Diogo: se esta história tivesse continuação seria um busílis, ou seja, havia grande dificuldade em acreditar nesta sandice em jeito de grande ficção científica. Por agora vejam-na inverosímil e transeunte.
Por Eumesma

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

PÁG5 - GENE


- “Até aqui sei eu, sabe o senhor, sabe todo o mundo que quisesse saber. Mas há, infelizmente para alguns (e são bastantes), um “mas” que você não sabe. Dê-me vinte minutos e a minha missão estará cumprida. Não tem por aí nada que se beba? Se também quiser, traga para si algo forte.”
Virando as costas pela primeira vez àquele desconhecido, dirigiu-se a um bar elegante, bastante dourado acompanhado por um toque turqueza. Quando novamente regressou para a presença da estranha personagem, possuía já dois copos de wisky, sendo quase três quartos do copo composto por gelo, substância que pressagiava ser precisa a cada momento que as cordas vocais do grosso pescoço daquele estranho suavam lentas palavras.
- “ Vou tentar ser o mais curto e breve, mas inteligível. Estou aqui a cargo de uma organização filial às forças secretas. O que dá já para entender o porquê de eu saber os seus dados pessoais. É você quem menos sabe da sua vida. Está agora a passar um ano que o seu pai, em conjunto com mais algumas pessoas, participava num projecto secreto. É do conhecimento geral o actual estado da divisão da região de kapuna em duas partes: Emausa, à qual nós nos aliámos e, como oponente, temos Manéla. Estavam a pesquisar o desenvolvimento de uma arma, que o não era bem. Essa arma seria financiada por Emausa. O problema foi a sua mulher!”.
Van Drolen disse aquilo com tal naturalidade que Diogo apenas processou o impulso de querer iniciar um discurso de indignação. Tudo era ridículo! Esse professoreco só poderia estar completamente afectado na moleirinha.
A seriedade de Drolen prosseguiu ao longo do monólogo que estava a ser tomado como uma história absurda e inundada de imaginação, tal como o dilúvio que se travava para lá da vidraça. A noite tinha ficado da cor do breu. O nosso refastelado homem não se parecia preocupar. Afinal de contas, o que poderia acontecer perto daquele monstro enorme de ombros largos e gabardina até aos tornozelos?
- “Sei que me deve estar a tomar por louco, ainda o vai achar mais, mas o pior são as provas.” E fez silêncio novamente, ao passo que em Diogo a sua consciência travava uma luta de ideias em tão alta voz que Van Drolen apercebia-se dos seus pensamentos. – “É verdade que você conheceu a sua mulher duas semanas antes de rebentar a guerra entre Emausa e Manéla. Casou com ela dali a quatro meses, sendo ela morta na véspara do quinto. Na realidade, a nacionalidade dos pais dela não era Emausa mas sim Manéla e o seu pai soube disso e muito mais. Ele soube que Helena Petrovena era uma espia e que tinha descoberto o que o exército estava a produzir. Creio que é nesta parte que não vai de maneira nenhuma acreditar. Neste momento, já posso divulgar que tipo de arma, ou melhor, que substância é que o nosso país está a produzir secretamente. Trata-se de um líquido que se assemelha em tudo á água e se for mesmo depositado nela é dificilmente identificado e impossível de ser retirado, a não ser que se lhe junte uma outra substância, o mesmo que dizer, um tipo de antídoto. Fabulosos mesmo são os seus efeitos: esta substância tem uma função auto-hipnótica. É difícil de compreender, mas leva a informação da missão na sua estrutura, tal como as cadeias de D.N.A.
Esta substância tem como vitimas as pessoas chegadas àquelas a quem se pretende eliminar. Ou se disseminado numa população, poderá levar à sua auto-destruição. Imagine a carnificina que tal produto pode provocar. Por favor, e peço-lhe que continue a ouvir-me, pois toda esta informação lhe será útil, isso eu lho garanto, quer queira quer não!”.

PAG4 - GENE


Sem saber porquê, ao chegar ao seu apartamento, sentiu um ar saturado. O oxigénio passou a estar tão irrespirável como se tentasse sorver cimento por uma palhinha.
Tinha a sensação de alguém ter entrado em sua casa. Não era muito bom de ouvido, mas pareceu-lhe que alguém estava no seu sofá, lendo, porque esfolhava um livro, virando as páginas muito violentamente, quase com o propósito de as ouvirem.
- “Talvez seja um amigo, mas não tenho amigos que enganem fechaduras. De qualquer modo, esse alguém não me quer alterado, com exaltação.”
Um homem…a quem Diogo falou sem tom nem som. Um homem que produziu nele um eclipse de vontade. Tomou como táctica o contra-ataque, porque esta é provavelmente a melhor defesa.
Em todo aquele exsudar de coragem – medo, ou melhor, naquela atitude beligerante de cera, havia duas mãos que estavam a pensar mais que uma cabeça.
Durante dois moveres de relógio, os dois homens puderam tirar impressões, se é que é assim que se poderá deixar tomar nome.
Do lado oposto da barricada havia um homem que observava Diogo. Possuidor de um rosto anguloso que era o sinal de inteligência. Conservava ainda parte do encanto da juventude, apesar de estar acima da casa dos quarenta. Mas o homem não estabeleceu discurso algum, devido à sua posição de calma sobre o sofá de veludo cinzento.
Diogo jazia ainda a poucos passos da porta. Apesar da sua perplexidade, também observou o rosto daquele intruso. Loiro e olhos claros, magro mas bem proporcionado de estatura. De pele lívida, era quase de certeza do norte europeu. Pelo rosto, também lhe avaliou o psicológico que foi tirado pelo dito espelho falso da alma, que é o olhar. O feixe da luminosidade escura que tresandava dele demonstrava uma personalidade, que infelizmente, alternava com uma expressão de loucura.
Como em termos físicos Diogo estava em desvantagem, tentou desviar o olhar para qualquer objecto que o pudesse salvar de um possível ataque. A apresentação por parte do estranho não deixou os olhos de Diogo chegarem á vara de ferro que servia para atiçar as brasas da lareira.
- “Meu nome ser Drolen. Professor Van Drolen”. E estendeu uma maozarrona do tamanho de uma posta de bacalhau. Se, se viesse a conhecer aquilo, ( o Van) ia ser cá um “dá-me cinco”. A amizade parecia ser impossível de se travar, as pontas dos dedos mal se tocaram. Recuaram ás posições antes possuídas. Foi neste recuar que Diogo notou pelo sotaque ter ali um “Neogermânico”.
O Van qualquer coisa mostrava a Diogo, a cada expirar e inspirar, que a sua calma não era feita de ferro, mas de qualquer coisa como betão, ou melhor, de diamante. Parecia mesmo que quem era ali o estranho era o próprio Diogo.
Na mente de Diogo, perfilhava-se cada vez mais insistentemente, quase com a força de um turbilhão, questões como: - “Que faz ele aqui?”; “Que me quer ele?”; “Afinal, quem é ele?”.
O professor parecia perceber todo o pensamento de Diogo e todos os efeitos do seu receio.
- “Aviso-o que o diálogo vai ser longo e certas passagens vão-lhe ser chocantes, portanto, aconselho-o simplesmente a sentar-se”.
Não teve sequer ponta para contornar aquela quase ordem porque o tom chegou bastante sério.
-“…prosseguindo, por onde posso eu começar?” – E como se visualizasse em diário, começou precisamente… -“Se tenho de começar, tenho de começar pelo principio. Chama-se Diogo Gaivão Calheiros. Correcto. Filho de Marta Gaivão, prima do presidente, e filho de Antão Calheiros, general das Forças Armadas. Correcto. Viúvo de Helena Petrovena, com nacionalidade Emausa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

PÁG3 - GENE


Imagine-se agora um outro cenário. Escolha qualquer um que a nossa sétima arte lhe vá sugerindo, desde os 007 até aos desenhos animados japoneses. Peço que veja paredes obscuras e, porque não, considerar tudo? Isso mesmo! De certo até nasce tudo da escuridão. Mesmo a Phoenix, pássaro da vida e da luz, diz-se ter nascido da escura cinza.
- Relatório?
Acrescento-lhe apenas que a única coisa que se podia ver do cotovelo ao pé de um fraco candeeiro, era uma asquerosa e sinistra cicatriz, resultante de um provável queimadura ou estilhaços vítreos. Para além deste facto e desta palavra, pouco mais se podia adiantar. Não conjecturemos quem era esta personagem. Que não passe pela vossa cabeça que seja o mau da história ou que seja o doutor bonzinho, que teve um acidente laboratorial, como acontece em toda a história científica, quer seja ela boa literatura quer seja a mais reles foleirice.
Ao seu lado estava o dito “cromo” apelidado por Diogo, que bem instalada numa cadeira, lambia um chupa. Verbalizou.
- Creio, no meu entender que ele está pronto. Apesar da cena ainda ser muito leve e pouco reveladora do sentimento humano. Acredito que já conseguiu ultrapassar o choque causado pela morte da única coisa que ainda possuía. Só por pequeno reparo, causou-me mesmo a sensação que lhe deu um ar de riso a minha fatiota. E se me deixar acrescentar algo mais, atrevo-me a dizer que ele demonstra ter bastante sentido de perspicácia. Digamos, com um pouco de ironia da minha parte, que se não fossem os meus dotes de actriz, ter-lhe-ia ficado a cheirar a qualquer marosca.
Aquela coisa à esquina respondeu muito roucamente:
- Podes ir. Deixo o resto ao colega, professor Van Drolen.
Diogo estava novamente debaixo de toldos, porque os constantes chuviscos faziam sentir-se de tempos a tempos.
Enquanto pensava no episódio do qual tinha feito parte, não reparou que entrava numa daquelas lojas de 300. A uma esquina da minúscula e atafulhada loja, encontrava-se uma senhora daquelas a quem os cavalheiros se dirigem nestes modos: -“A menina tem isto ou aquilo?”. Ela olhava de soslaio enquanto limava as unhas, ou direi melhor, as garras do animal mais selvagem.
Ele passeava-se por entre prateleiras em que, basicamente e sem ofensa a tais países, apenas encontramos made in China ou in Spain. Eram de fitas para o cabelo a copos, de bonecos a rebuçados. Tantas bugigangas. Tanto plástico.
Foi num pingente de um objecto que viu conspicuosamente um reflexo de um reflexo.
Começou a pensar que a sua vida surgiu com o objectivo de pertencer ao esquecimento.
Lançou para dentro daquele cristal, que não passava de um vidro, a mensagem de que precisava de uma forma de alimentar as substâncias da alma.
A sua moral estava agora como uma pena, no entanto, há alguns dias, nem com um guindaste a podia erguer. Voltou a virar os olhos profundos novamente para aquela coisa invés da sua consciência.
O dia estava prestes a ceder ao manto da noite. Diogo voltou para casa por uma parte da cidade que até ali não lhe tinha saltado aos olhos. Local que era um emaranhado de despidos troncos que abraçam o céu. O parque, se é que é esse o nome apropriado, era constituído por uma paisagem seminatural e semifabricada. A sensação de leveza que lhe ia no íntimo fazia conseguir num só olhar, pedras, relva, flores.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

PÁG2 - GENE


Um sítio escuro que não era o seu aposento. Esse lugar de profunda escuridão era atravessado diagonalmente por luz, uma faixa. O pó subia-lhe pelos mais delicados raios luminosos. Fugindo do medo, do vazio atormentador, algo inanimado lança o seu receio sem direcção, talvez para as paredes de cor amarela desesperante. Esse ser era um cacto florido. No máximo da sua altura, contaria talvez com dez centímetros. A sua flor era de um vermelho tão vivo que parecia fluir para todo o chão. Quanto a barulho, nenhum, excepto um rufar de tambor com um compasso de batida de três em três segundos. Sem saber de onde, saltou uma pequena raposa. E ainda mais repentino, um outro som desconexado surgiu. Era o despertador hoje desnecessário.
Sim, às vezes podia-se-lhe chamar desmazelado, mas em outras ocasiões era extremamente perfeito, sobretudo em toda a lida doméstica. No entanto, solitariamente dentro de quatro paredes, para quê ser aprumado e romântico com o pequeno-almoço que se mete para o saco?
De qualquer modo, por muito que se vagueie por meio da mobília, uma pessoa só, um homem, não aguenta assim o passar dos minutos. A prevista saída deu-se já bem tarde, mas para quem não tem de dar satisfações, era bem cedo.
Desceu muitas e subiu outras tantas escadas, correu vitrinas, ruas, casas, lojas, canteiros sem conta, sem olhar para cima ou para qualquer direcção que a agulha de uma bússola pode experimentar. O seu local era realmente o chão.
Já deu para compreender que este homem não era para exclusividades. Significando que nem sempre os seus olhos queriam o chão asqueroso da cidade. De tempos a tempos até se ia sentando numa esplanada (de preferência com poucos clientes) a apreciar espectaculares exibições, certas extravagâncias da nossa também extravagante sociedade. Hoje, a quem apetecia ser extravagante era a Diogo! Faltava era saber onde. Não podia ser ao ar livre. A torneira do lavatório do céu ainda não tinha os parafusos bem apertados. A qualquer momento, das nuvens negras, do nevoeiro espesso saltaria uma valente rajada líquida.
Continuou a passear-se pelas ruas. Agora pela L, depois cruzou e prosseguiu pela Q.
Quando se encontro na esquina de uma pequena ruela, ouviu um grito de desespero saído de dentro dela. Pela voz esganiçada calculou que fosse uma rapariga ainda muito nova, provavelmente tendo como cenário o mesmo da sua falecida. Reagiu por instinto, não se preocupando com a situação que iria enfrentar nem com os perigos a que se expunha. Uma vida estava em jogo.
O larápio foi rapidamente avistado sem que Diogo observasse a vítima, a quem o assaltante tentava sufocar com um reles pano de flanela.
Vi os olhos, os olhos de uma criança de rua, tentando obter bens para a sua sobrevivência. No seu rosto via-se um choro raivoso como se rosnasse à volta de um osso. Mal lhe tentei pôr as mãos e ele já fugia como um animal selvático, com o rabo entre as pernas, deixando inclusive a bolsa da sua vítima a dez passos da pobre.
Ela estava estatelada no chão, tentando tomar algum longo folgo. Desistindo da sua perseguição, viu, finalmente, uma mulher de cabelos pretos e uns óculos com lentes que se assemelhavam a fundos de garrafa. Ajudou-a a levantar-se e sem exageros – ela tinha o seu quase metro e oitenta. Era deveras esguia o que dava ao seu aspecto o perfile de uma escada. As suas pernas longas estavam a descoberto até meio da coxa por causa de um rasgão na saia (micro). Tinha a cara de uma rapariga chique e, no entanto, inocente e um pouco tontinha. Ela ia pronunciando a cada instante, num murmúrio nada inteligível a palavra “obrigado” enquanto ia repondo os óculos bem no alto do seu nariz. A cada gesto que ela realizava, mais curioso Diogo ficava em saber o que fazia ali aquele cromo a limpar a bainha da saia, a ajeitar a franja, a afinar as cordas vocais. Deveras só isso já dava para…
- Que fazia você aqui…para além de…bem…ainda não sei como tratá-la.
Mas ela abandonou-o, evaporou-se.
- Estranho! A palavra já lhe estava atravessada no pescoço há algum tempo atrás.

PÁG1 - GENE


Ilhargando a rua B, diria mesmo num local arredio, adusto pelo calor, assinalava-se o chamejar do Sol sobre as pedras da calçada.
Tudo era tórrido neste Setembro. Tudo parecia escaldante e, no entanto, voluptuoso, lúbrico, quer fosse a água de um bebedouro, um gelado de nata, o cabelo de uma loira ou até o pó que andava no ar.
Depois de dobrar uma segunda esquina, proferiu para a sua consciência que o transpirar estava prestes a processar-se. Quando confidenciava para si próprio que já ia uma pausa, revolveu-se algo no seu interior que dava para jurar que se pudera ouvir aquele calhau da garganta a cair-lhe em seco no ventre. Um semi-turbilhão subiu-lhe à raiz do cabelo e deu-lhe um valente puxão. “Caio”. Sentei-me numa boca de incêndio mesmo defronte do semáforo, a uma passadeira. Para quê pôr-me ao través? Já era grandinho e não tinha ninguém às dezoito horas em casa à minha espera, exceptuando o meu bichinho de estimação que não era ave rara, nem iguana, nem mesmo tarântula, mas sim um gordo gato amarelo.
No B.I. do bolso de trás estava escrito Diogo Gavião Calheiros, filho de Marta Gavião e Antão calheiros. Altura – 1,70; Idade 38; Estado Civil – Víuvo. Ainda absorto na sua atonia, não se tinha deslocado um centímetro. Vinha-lhe à memória a cara cheia de hematomas da falecida esposa, com a pele como porcelana, violentada numa rua daquela miserável cidade em pleno dia. Esse acontecimento tinha endurecido tanto o seu coração, que a sua voz e o seu olhar assemelhavam-se a fios de facas.
Todo o seu intelecto, toda a sua alma identificavam-se com qualquer forma de terror. Melhor seria, contudo, apagar esta palavra, terror. Era certo que ele era macabro, no entanto, um desconhecido digno de interesse.
- Oito horas! Como é tarde!
O céu preparava-se para fazer chover torrencialmente. E foi uma questão de dois segundos para tal acontecer.
Os seus ossos começavam a sentir a humidade quando Diogo alcançou a porta da sua casa. A cada gota que caía dos seus cabelos negros encrespados, a cada andar que o elevador sulcava, era ansiedade que foliava no seu peito. O desejo de isolamento (finalmente) do mundo. Bem, do mundo…talvez não, mas pelo menos da sua parte louca. Atrever-se-ia mesmo a exclamar: - Meu Deus, quero fugir! Os olhos deles repugnam-me. O que dizem tem sentido, sentido que para mim não faz sentido. Que faço eu aqui? Não, não me respondeis! Isto é retórico e o retórico não quer resposta.
A porta foi fechada atrás de si. O amarelo foi avistado no tapete ao pé do sofá.
- Bichano, não deixes que eu fique doidivanas.
O gato não prestou muita fixação de espiríto, apesar do dono fazer mais silêncios do que diálogos amonologados.
Colocou os dossiers dos Hotéis Minerva (onde ele tinha o cargo de acessor do gerente) em cima da mesa da exígua sala.
Do sarcófago branco (frigorífico), retirou um pacote de leite, bebendo largos golos. Trata-se de algo pouco higiénico, mas a ratazana estomacal já tinha os dentes do tamanho das mandíbulas de castores.
Agora no meio da cozinha, quase que paralisado, permitiu que a noite esfregasse o som dos ponteiros do relógio nos seus tímpanos. Um fastio, uma insónia invadiram-no…apoderaram-se estes sintomas da sua sobriedade, de tal modo que o tomaram de um modo embriagado sobre a cama.
O felino surgiu ronronando junto dos pés do transtornado e logo saltou para cima dos cobertores. Foi alcançado por umas poderosas e carnudas mãos e, no entanto, de pequena dimensão. Ambos sentiam mutuamente os seus respirares. As suas pulsações tinham um bater ridículo.
- Sabes bucha, ainda bem que amanhã me dão folga para eu apertar os poucos ossos dos poucos amigos que ainda me restam! Isto porque as minhas constantes alunagens fazem-me aterrorizá-los até que quase nenhum deles me reste. Vão-me dando conversa, não pela minha posição social, mas pela minha carência sentimental e psicológica. Queres saber ainda algo mais: nem iremos falar com esses amigos. Erremos por aí até algum lugar, numa dessas quaisquer esquinas, passaremos o nosso ridículo tempo.
- Miau – retorquiu o gato secamente, pressentindo que a situação dele pouco ou nada mudaria se saísse ou não saísse.











No não fazer nada, as horas foram passando. A alta noite já se fazia sentir. A roupa foi secando no corpo sádico. A salientar havia muita coisa, tudo o que existia ou podia não existir, real ou abstracto, factos, negócios, circunstâncias, condição, assunto, mistério, tudo em evidência naquele rosto, naquele busto. A possessão abstrata que assolava a sua psyché. A profundidade da alienação era precipiciosa mas não ao ponto de não dar atenção à sua saúde.
À medida que tirava a gravata e começava a retirar os botões de suas casas na direcção de baixo para cima, foi-se mostrando uma pele que não era alva nem torrada, era dourada como os templos budistas do Oriente. O tronco era-lhe pouco favorável, quase fraco, os músculos lá se iam denotando. Podiam-se apreciar (se é que esta palavra não é um pouco forte), grossas venosas saídas em tonalidades de verde. Desabotoava os botões de punho, lembrando-se da sorte e do azar aparente dos outros. Ironias do Destino. E se por aqui seguisse, quero dizer, se divulgasse tudo o que ele acreditava sobre o Destino, não encontraria botões suficientes.
Foi-se aconchegando a um lençol cinzento aveludado, com o gordo aos pés. De certo modo gostava de ouvir o ronronar do gato para aniquilar o tempo de abismal silêncio.
O seu sono de peso – meia tonelada – abateu-se sobre a forma de dois desígnios de algo que aflige:





- Ai, ai…

terça-feira, 6 de novembro de 2007

CAMINHOS CRUZADOS


- Que raiva! Que ódio… Odeio, Odeio, quem é que ele pensa que é. Já não o consigo suportar. Nunca o suportei. Não foi para me sujeitar aos seus ares de importante que aceitei o lugar. Já me basta aguentar com os humores da mãe ainda tenho de levar com as birras do filho. Que cresçam ambos, melhor ainda, que vão os dois para o diabo.
Com este monólogo enraivecido, madalena vingou-se ao entrar na cozinha, batendo com toda a força a porta atrás de si. Porém, à sua frente lá estava como sempre a pacifica “Tia´Lice”, como todos chamavam carinhosamente à cozinheira da “Casa Grande”. Muito descontraída, a senhora que devia estar perto dos setenta anos, mas que quase aparentava menos duas décadas, apresentava-se serena diante de madalena, que regressava esbaforida e repleta de violência das divisões interiores da casa. Muito calmamente colocada atrás da bancada de mármore branca, que após ser utilizada inúmeras vezes, apresentava agora algumas covas na sua superfície, para onde acabavam de rolar os vegetais, que “Tia´Lice” cortava sabiamente, já sem necessitar de observar a tarefa que executava. Com um pequeno rasgo de ironia no seu rosto perguntou pausadamente.
- O que te fez o menino desta vez?
- Não me lembre desse homem, ou até tem uma certa razão, porque ele é um menino mimado.
Era de insulto em insulto que madalena ia aliviando a tensão que lhe corroía o corpo. Continuando a bufar violentamente, movimentava-se de um lado para o outro diante da bancada da cozinheira, parando por vezes para bater com mais violência com os seus saltos altos no chão de azulejos, também eles imaculados mas igualmente desgastados, pelo uso do tempo e agora a serem torturados pelas batidas ou quase coices de Madalena.
- Eu já nem sei bem como começamos, mas começo a achar que já não nos podemos cruzar. Esta situação começa a ficar insuportável, se é que já não o é.
- O problema dos meninos é apenas um. Personalidades duras que se chocam e fazem uma barulheira, mas no fundo se ambos se ouvissem, descobriam que têm muitas coisas em comum.
- Desculpe lá “Tia´Lice”, mas que posso eu ter em comum com esse, esse …esse bruto, esse selvagem, esse bicho-do-mato que está constantemente a agredir tudo o que se move à sua frente.
- A menina madalena enganasse… é pena. Com toda a sua inteligência, pensei que fosse mais atenta ao que a rodeia e que nos dois meses que está nesta casa, já soubesse distinguir, que cão que ladra não morde e se o faz que motivos teve para isso.
O silêncio instalou-se na divisão, enquanto a cozinheira voltava á tarefa de cortar os legumes baixando o seu olhar para a bancada. Madalena ficou momentaneamente a olhar para os diversos pedaços coloridos dos vegetais, à medida que foi desviando a sua vista para a porta envidraçada que dava para o jardim. Ao mesmo tempo que fez suar os tacões no sentido da porta, para a transpor, pareceu-lhe que a cozinheira tinha feito um novo sorriso irónico nas suas costas e iniciava mesmo um ligeiro trautear. Madalena fechou desta vez com mais cuidado a porta que dava para o jardim e ao sentir o ar frio de um Outono que começava a aproximar-se, sentiu que aquela brisa mais gélida lhe ia absorvendo a cólera. Madalena reflectia nas últimas palavras da cozinheira. Como tinha passado rápido o tempo pela sua vida, ou será que tinha passado com igual velocidade como com os outros? Não podia ser! Por certo a sua vida no último par de anos tinha corrido mais vertiginosamente para ela do que para os outros. Sentia-se como as rosas do jardim que tinha diante de si. A desfolharem-se. Mas ela não podia aceitar a imagem. Ela negava-se a que essa ideia se instalasse. Como podia ser possível se ainda caminhava para os trinta anos. Porém o percurso que prometia ser dourado foi-se enlameando ao longo dos anos e ela estava atolada nesse pântano. Uma pétala de rosa a asfixiar na lama.

Madalena Brandão Pinto Neto tinha nascido filha e sobrinha de gente endinheirada. Pessoas de bom coração mas para as quais, tudo o que parecia inatingível tinha apenas que ser dado um preço pelo qual se podia comprar. A infância e a juventude foi passada á sombra de notas e do poder que fizeram crescer na personalidade daquela menina características que os poucos amigos souberam reconhecer como ventos que ela semeava e que despoletavam tempestades que mais tarde ou mais cedo ia colher.
Por Eumesma

NO ESPAÇO DA MÃO



Julgas que estás livre mas tens mil amarras a prender-te!
Pertences à fracção dos que não acreditam.

Achas que só os alucinados podem conceber imagens diferentes da normalidade estabelecida?

Então não podes compreender o que pode conter uma mão vazia!

O espaço entre 5 dedos, pode ser o local, onde 1001 coisas se podem aninhar...

Mexer nos teus cabelos, tocar no teu rosto, sentir teus lábios... é muito doloroso.

Doi porque não te tenho.

Doi porque não me pertences.

Então porque sinto o teu sangue pulsar e o teu coração acelerar?

Por Eumesma